Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Quimeras e Utopias

Quimeras e Utopias

Melanina

mbappé.jpeg

Num direto televisivo de um canal argentino neste início do mundial no Qatar, um grupo de adeptos argentinos, que rodeava o jornalista de serviço, começou a entoar um cântico que rapidamente se demonstrou ser um cântico racista e transfóbico dirigido à seleção francesa de futebol masculino.

Um cântico ensaiado, estudado, com direito a rimas e tudo. Uma pequena obra de arte poética racista.

O repórter, percebendo o conteúdo lírico da arte em questão, tirou-lhes a antena, o microfone. Mas tarde demais.

Apanhando a notícia do sucedido em órgãos de comunicação portugueses, surpresa das surpresas, a maioria dos comentários, embora recriminassem o sucedido (antagonismos com a seleção francesa justificam esta benevolência), justificavam os cânticos com um simples: «É mau, mas é verdade.»

No geral da ofensa, o facto dos jogadores franceses serem maioritariamente negros, era sinónimo de virem todos de Angola (não serem franceses). No entanto, embora os cânticos visassem a seleção francesa, tinham como alvo particular o jogador Kylian Mbappé. Dele, referiam o facto de os pais serem de origem nigeriana e camaronesa e dele ainda assim ser considerado francês. Faziam ainda referência ao rumor do jogador namorar com uma mulher transsexual (em termos que nem uma criança do primeiro ciclo acha adequados).

Uma aberração ofensiva que ainda assim ecoava positivamente por estas bandas. Lia aqueles comentários e pensava como a distribuição de melanina tinha um tal poder de limitar fronteiras, excluir cidadãos, ostracizar uns e, paradoxalmente, incluir outros sem reservas. A melanina tinha o poder de incluir ou excluir alguém destas comunidades imaginadas que são os nossos países (países ocidentais), como se países, comunidades fossem clubes privados com regras dúbias, bares de jogo clandestino numa cave bafienta.

Mbappé nasceu em França, é cidadão francês. Os pais nasceram fora de França e isso parece ser fator de preocupação para os racistas de serviço. No entanto, o que é isso de ser daqui ou dali? Até onde tem a árvore genealógica de recuar para alguém ser considerado de determinado sítio?

Se o teu primo branco nasce em França dos teus tios portugueses, foi registado em França, tu dizes que ele é francês, mas se Mbappé nasce em França, filho de pais nigeriano e camaronês, tu tratas de o excluir automaticamente do país França (um cidadão de lado nenhum ou um cidadão de uma geral África).

Claro que não há preocupação com os familiares diretos de Griezmann (também jogador da seleção francesa). Griezmann (graças a deus) foi presenteado com uma menor distribuição de melanina. Interessa lá saber de onde diabo vieram os pais. O caso não se coloca, mesmo que os ascendentes do jogador não sejam franceses.

Há uma exclusão automática de uma comunidade baseada unicamente no tom de pele. E se te perguntam: és de onde? E respondes França, Portugal, Espanha ou Itália, dependendo da tua melanina, pode surgir a pergunta sequente à tua óbvia resposta: Mas de onde és MESMO?

E o tempo passa e isto é tudo tão (e cada vez mais) estapafúrdio. Não se coloca a questão para estes adeptos dos jogadores terem ou não qualidades como jogadores, na elaboração dos seus cânticos de apoio (?) à sua seleção. No meio de uma falta de noção e empatia (numa quase psicopatia), seguem a opção (que não deveria sequer existir) da ofensa racial, da ofensa sexual, reduzindo o adepto de futebol a um ser grunho estereotipado.

Mbappé, devido a ofensas racistas no passado, tinha já colocado a possibilidade de abandonar a seleção francesa. E assim são os bullies, sabem onde apertar para fazer doer mais. Perpetuam um ciclo de ofensas, solidificam (mesmo que inadvertidamente) movimentos nacionalistas racistas e xenófobos, deixando para trás um mundo onde nenhum cidadão empático gostaria de viver. Um rasto de destruição.

E mesmo dentro de portas dessa comunidade, quantos seres humanos não passaram de incluídos a excluídos dependendo dos resultados das suas atividades?! De português de gema a africano de lado nenhum se o golo entra ou não entra, se foi decisivo para a vitória ou se, pelo contrário, foi decisivo para a derrota.

E baseamos as fronteiras de um país, a pertença a uma comunidade nestas migalhas de coisa nenhuma, fazendo cidadãos viverem uma vida de ostracismo, sentimento de não pertença, tudo porque a melanina não se enquadra na nossa paleta de cores pré estabelecidas.  

Num evento desportivo já inqualificável por falta de adjetivos adequados, isto é apenas mais um parágrafo no Mau Demais.

Mais um gajo!

Fazia um scroll desinteressado no telemóvel numa rede social, quando me apareceu a notícia da divulgação do prémio Saramago 2022, entre polícia na universidade, Ronaldo, Qatar e a guerra na Ucrânia.

Abro a notícia do prémio literário e a primeira coisa que me saiu, alto e a bom som, sem filtro prévio, foi:

─ Mais um gajo!

Mas apontar o óbvio, mesmo usando dados que suportem esse óbvio, só traz dissabores. Não faltarão os guardiões da meritocracia, da justiça da qualidade, do valor do vencedor. Se ganhou, é porque era o melhor, dirão alguns.

Mas hoje acordei teimosa, por isso, aqui vai. Peguemos nos principais prémios literários portugueses e de língua portuguesa. Refiro-os como principais pois são os que terão um maior prémio monetário e são também os que trarão aos vencedores uma maior notoriedade.

Temos o Prémio Leya, com um valor de 50 mil euros, instituído desde 2008. Durante o período de 2008 a 2022 (sendo que em alguns anos o prémio, por decisão do júri, não foi entregue), ganharam o galardão 7 homens e 2 mulheres - 2 mulheres num total de 9 vencedores.

De notar que a própria composição do júri é também, a nível de género, bastante díspar. Começaram em 2008 com 6 homens e 1 mulher (7 membros) e hoje em dia estão com 5 homens e 2 mulheres.

Avancemos para o Prémio Saramago, que é um prémio bienal, atribuído desde 1999, com o valor de 40 mil euros. Dos 12 vencedores até à data, apenas 2 mulheres ganharam o prémio desde 1999. Ver o nome do vencedor de 2022, o escritor brasileiro Rafael Gallo, nem espanto causa. Surpreendente é ler os comentários à notícia do vencedor. A celeuma pelo anúncio não estava ligada ao facto de ser mais um homem a vencer o galardão, mas sim ser um escritor brasileiro.

Deste prémio, saliento ainda a composição dos membros do júri nesta última edição - 8 membros, sendo 5 deles homens. Esses 5 homens eram todos eles antigos vencedores do prémio em questão.

Para completar aqui este apanhado de prémios, refiro o prémio Oceanos, prémio que começou por se chamar Prémio Portugal Telecom e que é um prémio para autores de Língua Portuguesa, atribuído neste momento no Brasil, com o valor total de 250 mil reais (a distribuir entre os 3 primeiros lugares). Entre 2003 e 2021, dos 19 vencedores (primeiro lugar), apenas 3 mulheres conseguiram ganhar este prémio.

Remato com o Prémio Camões, prémio atribuído desde 1989, pelos governos de Portugal e Brasil, com o valor atual de 100 mil euros, pelo conjunto e importância da obra dos autores vencedores. Em 34 vencedores, temos 7 mulheres.

Extravasando as fronteiras da língua portuguesa e dos prémios para autores em língua portuguesa, deixo apenas os dados dos vencedores do Prémio Nobel da Literatura: 119 vencedores, 17 mulheres.

Ora, com esta pequena e singela análise não pretendo aferir que os vencedores de todos estes prémios durante todos estes anos não serão escritores capazes. Longe de mim sugerir tal coisa. Muitos deles são habitués das minhas estantes, muitos deles são presença constante nas notícias que leio, nos feeds das minhas redes sociais. Mas, tê-los a todos como presenças habituais nos meus mundos ficcionais, deixa-me um travo amargo na boca. Eu, mulher, consumo muita literatura escrita por homens. Eu, mulher, levo o meu tempo a ver o mundo pelos olhos de um homem, de muitos homens. Eu, mulher, consumo histórias sobre mulheres, escritas por homens.

─ Ah, mas são eles os melhores. Se ganharam, devem ser os melhores de todos os candidatos.

─ Serão?

Temos prémios literários decididos quase exclusivamente por homens e ganhos por homens. Temos publicações nas maiores editoras movidas por esses prémios, carreiras que se agigantam à conta desses prémios e o que sobra é uma visão unilateral do mundo, uma visão masculina do mundo. E o mais engraçado disto tudo, o mais estúpido disto tudo é que a maioria dos leitores, a maior percentagem daqueles que lê de um a mais livros por ano, é feminina.

No meu mestrado de Escrita Criativa na Faculdade de Letras em Coimbra, 80% dos alunos do meu curso são mulheres. Daqueles que querem escrever, daqueles que querem melhorar capacidades, procurar uma identidade literária e poli-la, 80% são mulheres. Mas mulheres também elas já afogadas em muita literatura masculina, possivelmente já moldadas por muitos anos a ver o mundo através de óculos masculinos.

E não deixo sugestões para uma mudança neste paradigma. Vislumbro apenas fragmentos da engrenagem por detrás desta gigante máquina que é o mundo editorial e mesmo assim consigo concluir que sou demasiado velha para acreditar em mudanças.

Foi assim, é assim e continuará assim.

 

Despojos de guerra - subtrações e adições

Há uns 25 anos, entrava numa sala de cinema numa qualquer tarde de uma dia de semana, no Monumental Saldanha, sozinha, para ver um filme. Estudava cinema na Escola Superior de Teatro e Cinema e, embora o cinema me fascinasse, o que realmente me tinha levado àquela escolha académica peculiar, fora a escrita. Alguma coisa que justificasse a ânsia, a necessidade, mas também a alegria de escrever.

Estava naquele dia, naquela sala de cinema, porque o meu professor de argumento aconselhara aos seus alunos um livro de screenwriting e aquele filme, o que me levara ali, tinha o argumento desse mesmo autor e argumentista.

Lera e relera o livro Story de Robert McKee e agora estava ali uma oportunidade de ver se o genial autor Robert era também um argumentista em condições. Embora, atenção, a capacidade de ensinar não tenha de estar em perfeita ligação cósmica com a capacidade de executar e o contrário também se aplica. Nem todo o executante será um bom professor na sua área.

IMG_20220320_181452.jpg

Story, Robert McKee (1997)

O filme “Wag the Dog – Manobras na Casa Branca”, era um filme que tinha como premissa inicial, um presidente, uma presidência de uma país, que cria uma guerra fictícia para desviar a atenção dos eleitores de um escândalo sexual, perto das eleições, um momento de extrema importância política. Temos uma guerra em estúdio, um herói de guerra, uma música de guerra, tudo a que um povo tem direito.

Trailer de Wag the Dog - Manobras na Casa Branca (1997)

O filme, com um elenco de luxo, ainda sob o ponto de vista atual, tinha quatro espetadores naquela sessão da tarde e daquele dia fica o insólito destes quatro (eu incluída) terem tentado sair da sala depois do filme ter acabado para logo descobrirmos que a porta da sala estava trancada. Nada de pânico, só gargalhadas, porque depois daquele filme, daquela história, do absurdo que todos os quatro pressentíamos que realmente não o era, mais nada restava senão rir. Seria possível descobrir o cinismo das nações, dos governos, num filme? Seria possível que o riso fosse de nervoso, um certo desconforto instalado, mais do que hilaridade espontânea?

Pois claro que era possível. A caminho dos meus vinte anos eu sabia que o mundo era bem mais do que aquilo que eu conseguia ver, mas acho que foram precisos mais de vinte anos em cima para perceber que, apesar de tudo, o que via e pressentia ainda se revestia de imensa importância.

Numa Europa em guerra, não faltam especialistas a observarem cruamente o conflito. Os EUA estão numa senda de cercar a Rússia, arranjando aliados fronteiriços, erigindo nestes novos locais posições privilegiadas, que deixarão ao Rússia numa posição desfavorecida. Uma pressão, que levou Putin a uma estratégia de proteção através do ataque. Ou… Putin é apenas um expansionista, um imperialista que pretende expandir os seus domínios e não se deixar dominar pelos imperialistas ocidentais. E a partir daqui soma-se mais uma dúzia de variações, algumas mirabolantes, outras com alguma coerência.

Linhas, linhas e mais linhas escritas. Horas de televisão, com argumentos de lado a lado. E se tudo, de um ponto de vista estratégico, como se jogássemos à batalha naval, faz todo o sentido, na prática é apenas obsceno. E, lamento, todas estas pessoas que falam de estratégia, peritos, militares, também o são. Obscenos!

E as pessoas? Os civis? Como diabo não entram as pessoas nas equações, nas análises, nos balanços analíticos daqueles que decidem e daqueles que analisam?

As pessoas entram nesta equação como números, em subtrações frias. Hoje, ontem e em todos os conflitos de que há memória. Mortos, feridos, refugiados, deslocados, migrantes, esfomeados, viúvos, órfãos, desempregados, desesperados.

Motivada por esta despersonalização dos conflitos, pela realidade das guerras “lá longe”, mas que pressenti que poderiam ser “cá perto”, por perceber que na realidade o lá longe e o cá perto não fazia qualquer diferença, porque as vítimas da crueldade da guerra eram sempre as mesmas, pessoas, o ser humano banal na sua luta diária banal, comecei a escrever o que demoraria mais de uma década a acabar – um livro sobre uma guerra em território nacional. Pelo meio, Susan Sontag, no seu Olhando o sofrimento dos outros faz-me perceber que, por mais que me esforce, não perceberei, jamais, o que as pessoas, aqueles que estão no meio de um conflito, sofrem, sentem. Perceber a minha ignorância, dá-me humildade. E a humildade anda de mãos dadas com a empatia.

 

“Um número e assim era a vida humana por aqueles dias. Um mero número numa equação que usava mais subtrações do que adições. Pensar que cada uma daquelas pessoas ali sentada a comer, cada uma daquelas pessoas lá fora, desde o recém-nascido aos idosos, homens e mulheres, civis e militares, rebeldes e não rebeldes, todos eles, sem exceção, nada mais eram  do que números. E numa fração de segundo poderiam transfigurar-se de um Um, num Zero, sendo que o transtorno causado por essa mudança não era para ali chamado. As equações não contemplavam sentimentos, os números não tinham nome nem passado e, claro, os Zeros nem futuro tinham.»

Vou para não ficar, Sónia Pereira

Bater, espancar, chicotear, matar.

"Era darem-lhe uma malha, chicoteá-lo, depois estrafegá-lo, regá-lo com gasolina e pegar-lhe fogo."


As palavras foram da D. Maria, mulher de 91 anos. Frágil, pouco mais de um metro e meio de um corpo delgado e em curva descendente, apoiada nas suas canadianas de estimação, mas sempre de língua afiada e respostas aguçadas que lhe fogem da boca como balas numa rajada de metralhadora.


As palavras raivosas, desta vez, tinham sido motivada pelas imagens da guerra na televisão da sala de espera. Crianças mortas, casas destruídas, caos semeado, o medo a ampliá-lo e os meios de comunicação a sorver caos e medo numa ânsia vampírica, esfomeada, sem escrúpulos.

No centro da fúria homicida da Dona Maria estava Putin, o arqui-inimigo, o anti-cristo.


Ao ouvir as suas palavras - mata-se o vilão e acaba-se a guerra - pensei em como a violência vive dentro de cada um de nós.


Durante o dia, este e os últimos quinze, não passou um par de horas que alguém não tenha sugerido limpar o sebo ao Putin. Mas também não passou nenhum a mais para além desse referido tempo, em que essa sugestão de homicídio não tenha vindo acompanhada de detalhes requintados de malvadez.


Matar não chega. Acabar com a suposta fonte do mal não basta.
Queremos sangue, queremos dor, queremos lágrimas de arrependimento, queremos ver a morte estampada no rosto antes da mesma se instalar, queremos a redução do outro a um nada. Menos do que isso...

Não chega.

A guerra, em última análise, é talvez a mais verdadeira expressão do que é ser-se humano. A ideia de que a violência, a capacidade de matar, é anti natural, uma espécie de degeneração da verdadeira essência humana, não podia estar mais longe da verdade.


Tentamos pacificar-nos, fazer crescer a empatia, semear e fazer germinar a benevolência, olhar o outro como nos olhamos a nós... Mas é um esforço. Séculos de esforço. Num primeiro impulso, quando a revolta irrompe e cresce luxuriante, o que nos vem à cabeça num primeiro instante, o impulso sem filtro, o instinto primário, é a violência. Somos isto.


Bater, espancar, chicotear, matar.

A arte frustrada dos pequenos fascistas

 

Grandes desgraças históricas teriam sido evitadas se o mundo da arte não fosse tão elitista e seletivo.

Hitler sonhava ser pintor, considerava-se, acima de tudo um artista. A pintura era o seu refúgio, o seu sonho de vida. Se o menino não tivesse sido recusado duas vezes na academia de belas artes de Viena, talvez agora a história do século XX fosse radicalmente diferente.
Veríamos uns quadros medíocres do menino nuns quantos museus, talvez o menino com o tempo até se aprimorasse (já vi pinturas piores) e o holocausto, a guerra, seriam coisas remetidas à ficção, porque um artista feliz reprime ou transforma o facínora que por lá também habita. Todo o lado sombrio seria transportado para pinceladas melancólicas numa tela, o descontentamento diluído em tinta.

00-05-24-400px-Adolf_Hitler_-_Wien_Oper.jpg

Adolf Hitler, 1912

E, verdade seja dita, aquele estilo, aquele cabelinho lambido para o lado e o bigode (não posso categorizar porque só me surgem comparações de estilismo pubiano), estão melhor para um artista do que para um ditador.

Maldito júri da academia, malditos elitistas armados em bons...

Depois, temos o nosso pequeno exemplo nacional. O sonho do Dr. Sapo de Loiça era ser romancista. Uns quantos livros editados, sem nunca conseguir chegar à pujança de vendas do Dan Brown lusitano (nem pouco mais ou menos).

Não fossemos nós leitores tão esquisitos (até nem somos, papamos quase tudo), não fossem as editoras tão elitista, remetendo o Dr. Sapo de Loiça para edições de segunda categoria, e também nós escreveríamos uma história diferente nos anais da história do ano 2021 português.

Caros eruditos que têm o poder de decisão nas mãos, lembrem-se: mais vale um artista de meia tigela (com tantos que os há, mais um menos um), do que um aspirante a ditador.

Deixai os meninos serem escritores, pintores, escultores, pianistas, compositores, bailarinos, realizadores. A mediocridade artística será de somenos importância quando comparada com o estilhaçar de uma sociedade, a morte da empatia, a frustração transformada em fúria.

 

Coisa de brincar

Um homem matou a sua companheira à facada, quando esta tentava terminar a relação de ambos. Matou-a à frente do próprio filho menor.

Uma notícia destas remete-me ao silêncio, à reflexão e parece incompatível com o estrondo de palavras obscenas que pululavam na caixa de comentários da notícia.

Já várias vezes me repreendi pelo mau hábito de ler os comentários das notícias. É um hábito mau para a saúde mental, embora necessário para tomar o pulso à mentalidade daqueles que, mesmo sem nos apercebermos, nos rodeiam. Embora as ofensas sejam ampliadas por contas falsas e bots, as pessoas que gostam de as pronunciar existem, são as ditas pessoas de bem desta sociedade.

Naqueles comentários, vociferava-se que as mulheres de «beiças» pintadas eram isto e aquilo e deviam era pintar as «beiças» pela violência doméstica, deviam era exigir a prisão perpétua, a morte aos assassinos, deviam era defender e não criticar o adorado líder que luta por valores tão essenciais para a sociedade, ao invés de se andarem a pavonear de «beiças» pintadas por coisa nenhuma. Comentário sim, comentário não, era isto, como se aquela mulher tivesse sido assassinada por um batalhão de mulheres de lábios pintados de vermelho e não às mãos do homem que supostamente a amava.

O que aquelas pessoas não percebem é, no entanto, de uma elementaridade atroz. Enquanto mulher, não me interessa que um homem passe dez ou vinte anos numa cadeia ou que seja condenado à morte pelo assassinato de uma mulher. Olhando para os exemplos de países onde as penas são mais pesadas, isso não parece desacelerar em nada a taxa de criminalidade. Se uma maior pena não demove o criminoso, então esta discussão é simplesmente inútil.

Enquanto mulher, o que eu quero é que os homens parem de nos matar. Castigar um assassino, matá-lo, não trará de volta as mulheres que lhe morreram às mãos.

E o que fará esta epidemia da violência contra as mulheres parar? Esta violência está assente em que alicerces, qual a mentalidade que a alimenta, que a fomenta?

A «coisificação» da mulher, tratar a mulher como um objeto que se agarra ou descarta, se agride e joga fora a bel-prazer, uma mulher subserviente, sem vontade própria, propriedade do marido/companheiro, essa mentalidade ainda dominante é o alimento da violência doméstica.

Quando um político, alguém com visibilidade suficiente para ter impacto nas massas que o seguem, se refere a uma mulher como «coisa de brincar», porque os seus lábios ostentam um batom vermelho, isso demonstra os valores que esse mesmo político defende. De nada vale apregoar a pena de morte para os assassinos de mulheres, a castração para os violadores, se por detrás desses pregões esse mesmo político dissemina valores que fomentam a «coisificação» da mulher, dissemina o machismo, a misoginia.

E quem o ouve, quem o segue cegamente, não se coíbe de apregoar esses mesmos valores degenerados - apelidar lábios de beiças, a já habitual retórica de chamar de puta a qualquer mulher que se emancipe, que seja uma figura com voz ativa, que não tenha medo de falar e pensar por si, tantas palavras envenenadas de ódio às mulheres

Não me interessa a morte de um assassino ou o seu apodrecimento numa prisão. Interessa-me o fim das mortes, o fim da violência, o fim de uma mentalidade tóxica e mortífera para as mulheres.

Menos do que isso, não chega!

Tribunal da Relação do Porto e as viagens no tempo gratuitas

Quando há uns tempos, fiz uma investigação bibliográfica aprofundada para a minha tese de mestrado sobre os manuais de conduta para as mulheres (1900-1950) e deparei-me, como seria de esperar, com um sem fim de livros da época de cariz extremamente machista, contra a emancipação feminina, conservadores, embrulhados na infalível proteção religiosa, exultantes na sua fúria da defesa da «moral e bons costumes». A imagem da mulher, que exigia ser preservada a ferro e fogo, era a da mulher submissa, esposa dócil, dona de casa, um exemplo de virtudes e de subjugação, um ser que não ouve, não questiona, só obedece. Linhas e linhas disto, deste discurso repetido até à exaustão por certas personalidades da época que, vendo os avanços emancipatórios no exterior, temiam que tal coisa assolasse a bela pátria lusitana.


No entanto, a minha habituação a este discurso é de o ver escrito em livros antigos, com o acordo ortográfico de 1911, numa linguagem que me remetia ao passado. Um discurso ligado a páginas amarelecidas, livros de capa dura, palavras encerradas há décadas em estantes de bibliotecas. Tudo aquilo eram reminiscências de tempos idos que não tinham como nem porquê voltar.


Quando, este fim de semana, me deparo com um acórdão do Tribunal da Relação do Porto, do juiz desembargador Neto de Moura, relativo a um caso de violência doméstica, todas aquelas palavras, frase por frase, tal e qual como se estivesse a olhar para um livro com cem anos, estavam lá escarrapachadas: a violência desculpada pelo adultério, a gravidade do adultério feminino, a ofensa à honra do homem, as constantes referências à bíblia, tudo aquilo era uma viagem ao passado, uma viagem no tempo de forma gratuita.


Julgava eu que a distopia era opção literária, afinal também é recurso judicial. Admirável mundo novo com cheiro insuportável a mofo…

Tribunal porto.jpg

Excerto do acordão de 11/10/2017, do Tribunal da Relação do Porto, escrito pelo Juiz Desembargador Neto de Moura e assinado também pela Juiza Maria Luísa Abrantes. O acordão pode ser consultado na sua totalidade aqui

De salientar que é possível encontrar argumentação semelhante usada pelo Juiz Neto de Moura noutros acordãos redigidos por ele.

Campos semeados de cartazes eleitorais

Aqui na minha rua, os últimos meses foram de obras: limpeza e pinturas de muros de proteção e pintura da sinalização no asfalto. Depois de meses (anos) em que tal obra já merecia (urgia) ser feita, pensei para mim que as eleições sempre serviam para alguma coisa. Para bem da terra, era bom era haver eleições de ano a ano, mais não fosse para que estas pequenas coisas não fossem guardadas para serem feitas dois meses antes das eleições. Era garantido que as obras andavam sempre a bom ritmo.


Mas depois lembrei-me dos cartazes. Não!! Não aguentaria tal suplício anual. É coisa normal haver cartazes eleitorais semeados por todo o lado em alturas de eleições, mas este ano, na minha santa terrinha, isto atingiu níveis endémicos. O raio dos cartazes parece que se reproduzem durante a noite, criam metáteses em locais improváveis. Se um dos partidos parece contido, apostando numa quantidade de cartazes aproximada à das eleições anteriores, outros dois partidos estão «on fire». De tanto ver as caras dos candidatos a fitarem-me a cada esquina, em cada rua, em cada beco, temo ter pesadelos com eles durante a noite. Como alívio desta tormenta visual (claramente excessiva e perturbadora da paisagem), chegam as alcunhas engraçadas que o meu filho arranjou para cada um daqueles rostos sorridentes e profissionais que nos perseguem diariamente no percurso para a escola (cara de fraldinha, cara de bebé, por exemplo).


É que se ao menos por aqui houvesse uns cartazes cómicos, estranhos, com frases deslocadas, ainda dava para uma pessoa se divertir, mas nada. Pelas minhas bandas ficaram-se pelas fotografias insípidas do costume e pelas frases feitas sem nada de memorável.


Resta-me largar umas gargalhadas com alguns dos exemplos que apanhei pela net de cartazes autárquicos deste nosso Portugal. É que há de tudo: falta de noção, erros ortográficos, piadas com os nomes das localidades que saem completamente ao lado e coisas de tão estranhas, chegam a roçar o assustador.

 

Piadas com um inexplicável teor fálico/sexual:

Autárquicas_1.jpg

Autárquicas_14.jpg

Autárquicas_17.jpg

 

Erros ortográficos grosseiros:

 

Autárquicas_2.jpg

Autárquicas_11.png

Autárquicas_18.jpg

 

Jogos de palavras parvos:

 

Autárquicas_8.jpg.png

Autarquicas_4.png

 

Cartazes em que o nome da terra ou do candidato (advertida ou inadvertidamente) atrapalha:

Autárquicas_3.jpg

Autárquicas_5.jpg

 

Autárquicas_7.jpg

Autárquicas_10.jpg.png

Autárquicas_9.png 

Autárquicas_16.jpg

 

E aqueles cartazes em que passa a sensação que o pessoal devia estar a fumar umas cenas estranhas quando achou que aquilo seria uma boa ideia. São os chamados cartazes WTF. 

 

Autárquicas_13jpg.jpg

Autárquicas_19.jpg

Dois dos muitos cartazes do «podes chamar-me Salomé». 

Autárquicas_15.jpg

???

Autárquicas_12.png.jpg

Um político que não deixa cair o estereótipo de político em saco roto. Começa a quebrar as promessas de campanha logo na campanha eleitoral. Assim dá gosto ver.

 

Autárquicas_psd_lx.jpg

Não é um cartaz, mas é uma ação de campanha. Fiquei entre o riso e o choro. :)

 

Autárquicas_6.jpg

 

Faço minhas as palavras do Olimpo. Tanto cartaz?! Chiça, porra que é demais.

Mind the gap

Foi uma longa ausência, eu sei. Uma ausência imposta e, simultaneamente, autoinfligida. Se por um lado os meus deveres maternais me deixaram pouco tempo para a blogosfera, por outro lado a questão da relevância disto, deste espaço, também me pressionou à reflexão, ao afastamento.

 

Durante estes meses de verão nos quais raramente por aqui passei estive um mês com um reduzidíssimo acesso à internet. Férias na praia sem redes sociais, sem notícias online, sem email, sem tudo aquilo que hoje em dia se tornou indispensável para qualquer ser humano «normal». Nos primeiros dias dou por mim a pegar incessantemente no telemóvel, como uma drogadita em abstinência, a deslizar o dedo e a sentir um baque por perceber que aqueles eram movimentos inúteis. A imensidão cibernética estava-me vedada. Mas na mala esperavam os passatempos antiquados, mas que teriam de servir: uma generosa pilha de livros.

 

De entre outros, li dois livros de Svetlana Alexievich — Vozes de Chernobyl e A guerra não tem rosto de mulher (escreverei amanhã um outro texto sobre estas duas obras da autora bielorussa). Se hoje falei deles neste texto de regresso, não foi por pretender dissecar o conteúdo dos mesmos, mas pelo impacto destas leituras a seco. Com o mar a murmurejar em pano de fundo, com a areia entre os dedos dos pés ou deitada na cama à noite, nunca uma leitura me pareceu tão pura, tão clarividente como as leituras destas férias. O afastamento do caos informativo, dos casos diários que geram revolta e logo caiem no esquecimento, das opiniões diversas contraditórias, os dramas políticos nacionais e internacionais, deixou em mim um tremendo espaço vazio que permitiu fluir a leitura com uma profundidade nunca antes conseguida.

 

Lia os testemunhos de mulheres que combateram na segunda guerra mundial, as atrocidades contadas na primeira pessoa, o entusiasmo em poder ajudar a nação, emoção que não raras vezes redundava em morte ou dano permanente, e esta experiencia não foi apenas uma leitura, foi uma conversa com pessoas de um passado coletivo, uma conversa de uma lucidez atroz, mas poderosa, bela. Parava, olhava o mar, e tudo à minha volta confluía para aquelas palavras encerradas no livro, um movimento cósmico, universal, em direção à clarividência daquelas linhas, daqueles testemunhos.

 

Quando regressei à civilização, quando a internet surgiu como o copo de vinho cheio frente ao bêbedo em ressaca, dei por mim a questionar-me, a dissertar sobre a experiência de abstinência informativa: a informação é preciosa. Nunca me ouvirão fazer uma apologia da ignorância (embora haja uma quase inerente felicidade a ela associada). No entanto, será que haverá um ponto em que aquilo que consumimos deixa de ser informativo e passa a ser apenas mais do mesmo, redundância constante, um encher de chouriços que em nada contribuiu para o esclarecimento, mas antes entorpece, anestesia pela repetição, torna-nos trôpegos perante a realidade?

 

O meu filho via um qualquer programa infantil na televisão e veio contar-me que os dodôs, já extintos, engoliam pedras (na goela) para ajudar à digestão. Daí nasceu este paralelismo básico, uma metáfora elementar, mas ainda assim válida: teremos nós de engolir tamanha quantidade de pedras para conseguirmos «comer», pelo meio, alguma informação de jeito? E não estará tal quantidade de pedregulhos a pesar-nos em demasia, a atrofiar a forma como passamos a fruir a informação, novas leituras, o mundo que nos rodeia num geral?

 

Talvez uns passos atrás, um ligeiro afastamento nos permita ver esta nossa realidade de agora com maior nitidez, inserida num todo e não excluída e vendida como única, pertinente, exclusiva.

 

Amanhã regressarei com Svetlana. Estes dois livros merecem mais do que uma pequena referência fugaz num post de regresso à blogosfera.

Presságios do inferno na terra

Apesar de ser ainda manhã, a claridade da luz do sol filtrada por nuvens altas de fumo projeta sombras oblíquas fazendo crer que o crepúsculo chegou, que a luz do dia terminará em breve. A ambiência alaranjada, os trovões que soam ao longe, os fiapos de cinza que voam no ar como uma neve estival como que formam a descrição inicial de um romance de horror, uma história fantástica descrita pelos hábeis dedos de Allan Poe. A luz, as sombras deste dia, são como um prenúncio do mal que há de vir, porque a idade, as dezenas de verões vividos nesta terra, ensinaram-me que esta luz, esta claridade, é irremediavelmente um presságio, um inferno em aproximação. Não há vento forte acompanhado de calor que não degenere, não há verão que não cheire a queimado.

 

Este terror que este fim de semana chegou a todos os cantos do país, que extravasou fronteiras, que gerou comoção sem igual, é na realidade um pão nosso de cada verão para quem vive em localidades densamente florestadas. Isto que vos assusta, esta aparente novidade da morte pelas chamas, é para mim, tristemente, um sinónimo de verão. As lembranças deste medo, deste cheiro a fumo, das folhas carbonizadas de eucalipto a bailarem no ar, tudo isto me acompanha desde a infância. Recordo, ainda catraia, sair para o quintal num dia muito quente. O céu estava tão carregado de fumo, que o sol podia ser olhado de frente, sob o filtro negro e lá estava aquele disco alaranjado, como uma lua cor de laranja em plena canícula. Ao longe via-se a linha de fogo comer as árvores pela serra acima. Recordo ainda um dia em que a sirene dos bombeiros gemeu, em lamento, durante toda uma tarde. 16 bombeiros tinham perdido a vida a combater um fogo numa localidade próxima e aquele lamento sonoro foi como o choro coletivo. Aquele som das sirenes continua a gemer dentro de mim, a cada dia quente, a cada rajada de vento estival, a cada pequeno indício de fumo que me chegue ao nariz e aquele dia de há três décadas permanece vivo, viaja até à atualidade a cada novo incêndio.

 

Nada disto é novo, nada disto é culpa exclusiva de uns ou de outros, nada disto é sequer de fácil resolução. Somos dos países do sul da Europa com menor densidade florestal e, em contraste, com maior área ardida e ignições de incêndios. A questão prende-se com várias razões e só uma solução drástica poderá mudar que o verão seja sinónimo de cheiro a queimado. No entanto, mesmo a mais drástica das soluções só trará efeitos práticos visíveis a longo prazo. O meu lado realista diz-me que este inferno na terra, que me acompanha desde a infância, será coisa a que terei de me habituar e que me acompanhará até morrer e talvez com um crescendo de gravidade, dado as alterações climáticas potenciarem esta fúria do fogo.

 

Temos uma área florestal quase totalmente na mão de privados, muito parcelada, propriedade de  diversas pessoas diferentes. Recordo que os meus bisavós e avós consideravam que comprar pinhais (que por esta altura são eucaliptais) era uma forma de aplicar dinheiro e de mostrar ter-se posses. Uma herança por estas bandas inclui sempre uma bela quantidade de área florestal dividida em retalhos por zonas diferentes. Para quem herda este tipo de terrenos, é muitas vezes difícil sequer encontrar as extremas do seu próprio pinhal e os dividendos que dali pode tirar são tão escassos que não pagam sequer a limpeza do terreno. Depois, temos o forte lobby da celulose que, ao longo dos anos, transformou a diversidade florestal numa quase monocultura do eucalipto, árvore fósforo, espécie não autóctone. Por estes lados, junto ao rio, aparece também em abundância a acácia-austrália, árvore de bela floração, que pinta as margens de amarelo, mas também ela não autóctone, invasora. Em suma, não havendo qualquer ordenamento florestal, estando a floresta muito parcelada e em mãos privadas, apostando-se na monocultura e não se olhando à prevenção através da cultura de árvores «corta-fogo», e não havendo limpeza de mato, nem mesmo nas cercanias das habitações, o que temos junto às nossas casas é um barril de pólvora. Como li ontem numa rede social, viver junto a uma floresta é como ir dormir a sesta num paiol onde os trabalhadores fumam uns cigarritos e atiram as beatas para o chão.  Um verão sem catástrofe florestal é pura sorte, não é normalidade. Normal, normal, tendo em conta as características da nossa floresta, é isto. Se a este paiol se juntar as ações da natureza (trovoadas, ventos fortes), a mão criminosa e o desleixo, a explosão é inevitável, recorrente, tornando-se normalidade.

 

Quando entro em zonas densamente florestadas, quando passeio pelo meu concelho e a estrada é ladeada por eucaliptais a perder de vista, esta comunhão com a natureza deveria carregar consigo uma sensação de liberdade, mas é precisamente o inverso. A vivência nesta terra mudou significados, transmutou sentimentos básicos e a comunhão com a natureza, o cheiro das árvores, o vislumbre da mata a perder de vista, é opressiva, faz germinar o pânico, potencia o medo. E este sentido enviesado das coisas é, mais do que tudo o resto, profundamente triste.

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Mensagens

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2016
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2015
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub