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Quimeras e Utopias

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Svetlana — a mulher que morrerá duas vezes

Ontem, ainda digerindo a notícia da morte de Chris Cornell, surge a notícia da morte da escritora bielorussa Svetlana Alexievitch, prémio Nobel da Literatura em 2015. A notícia apareceu nas versões online dos principais meios de comunicação social nacionais, inicialmente sem explicar as causas da morte da escritora, referindo apenas que a notícia tinha sido avançada pela nova ministra da cultura francesa (que antes era co-diretora da casa editorial que editava Svetlana em França).

 

Fiquei triste, remoendo por dentro pela injustiça de uma pessoa ainda jovem, tão inteligente, ter partido antecipadamente. Mas o meu luto por Svetlana durou pouco. Minutos depois surgem várias notícias a informar que a notícia avançada da morte da escritora afinal era falsa.

 

Reconstruindo a situação, um jornalista italiano, Tommasso Debenedetti, conhecido por criar contas falsa de Twitter precisamente para difundir notícias falsas, usando nomes de pessoas conhecidas, resolveu criar uma conta em nome da nova ministra da cultura francesa. Através dessa conta anunciou a morte da escritora bielorussa. O jornal francês Le Figaro, tomando como referência o tweet dessa conta falsa, fez o anúncio da morte de Svetlana na sua página online e isso bastou para que centenas de outros jornais e meios de comunicação na Europa difundissem a notícia sem qualquer tipo de verificação prévia, tomando como única referência informativa o tweet da suposta conta da ministra e a notícia do Le Figaro.

 

As notícias tornaram-se produto de consumo rápido e a difusão de notícias online veio trazer uma urgência noticiosa que antes não existia. Se algo acontece na Alemanha ou em qualquer outro sítio do mundo, isso tem de ser noticiado imediatamente, porque um jornal português não quererá que o seu leitor vá gastar o precioso click num jornal estrangeiro, quando o pode gastar no seu jornal, mesmo que isso comprometa a qualidade da informação dada. As notícias difundem-se sem qualquer investigação prévia, apenas porque a velocidade, a rapidez informativa tornou-se fator de maior relevância do que o rigor, a qualidade da informação dada.

 

Não teria sido muito complicado confirmar que Svetlana estava em Seul, a dar conferências, vivinha da silva. No entanto, nenhum meio de comunicação quis gastar cinco minutos que fosse a fazer uma confirmação simples.

 

Não sei que motivações movem o jornalista italiano Debenedetti, mas as suas farsas talvez tenham como finalidade uma espécie de alerta para a forma enviesada como a informação é tratada e difundida hoje em dia. Um alerta àqueles que tem o poder da informação na mão, mostrando-lhes como podem ser tão facilmente ludibriados, apesar da repetição da armadilha. No entanto, acho que é uma batalha perdida. Parece-me evidente que o rigor já há muito foi substituído pela urgência, pela necessidade de atrair a visualização do leitor transformada em dividendos publicitários.

 

Para a próxima, para não causarem tamanho transtorno e comoção, sugiro que «matem» alguém odioso. Sempre uma pessoa faz uma pequena festa, mesmo que seja felicidade de pouca dura.

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