Realidades inverosímeis
No outro dia queixava-me que o livro do género policial que estava a ler tinha ido longe demais no que dizia respeito aos excessos de violência e provações do personagem principal. A ficção tinha de ser verosímil se a intenção era o leitor ser enlevado pela história.
No entanto, cada dia que passa sou confrontada com a inverosimilhança da realidade. Ora vejamos:
— No Brasil, um dos integrantes do MST (Movimento sem terras) foi assassinado em pleno hospital, nos cuidados intensivos, por um gangue de encapuçados que o executaram com pelo menos dez tiros. Waldomiro Costa estava no hospital a recuperar de uma tentativa de assassinato de que tinha sido vítima no dia anterior, quando tinha sido baleado na sua propriedade. De ressalvar que Waldomiro era um sobrevivente do massacre de Eldorado, em 1996, onde 19 trabalhadores rurais foram assassinados pela polícia militar.
— Há menos de uma semana, um helicóptero Apache (supõe-se) abriu fogo sobre uma embarcação que transportava refugiados (devidamente documentados) que estavam a fugir do Iémen para o Sudão. 42 pessoas perderam a vida, entre elas crianças, no que foi um verdadeiro banho de sangue. Ainda sem suspeitos identificados, as cabeças viram-se na direção da Arábia Saudita, envolvida na guerra civil do Iémen, sendo que esta tem e usa este tipo de helicópteros nos combates que tem levado a cabo em solo iemenita.
— Pelo menos 33 pessoas morreram na Síria num ataque aéreo levado a cabo pela coligação liderada pelos E.U.A. A escola atacada albergava pessoas deslocadas de uma zona controlada pelo ISIS. A notícia e número de mortos e feridos está em atualização, pois trata-se de um ataque decorrido ontem pela manhã.
Homens encapuçados que entram sem medo hospital adentro para «terminar o serviço» que tinha ficado incompleto, helicópteros militares que executam pessoas que fogem de uma guerra civil, ataques aéreos indiscriminados, tudo isto nos soa familiar, como fazendo parte do reino da ficção, dos filmes de ação, dos livros policiais. No entanto, a realidade é declarada vencedora no confronto direto com a ficção.
Jo Nesbø volta, estás perdoado.