Mudar o mundo
A minha mãe diz-me para ter calma. Não posso mudar o mundo sozinha. A esta incapacidade de mudar o mundo, soma-se a minha crescente incapacidade de conseguir viver nele tal como ele está neste momento.
Em criança não nos percepcionei tão cínicos, tão indiferentes, tão focados no nosso umbigo. E agora, já adulta, pergunto-me como nos tornamos nisto, como deixamos que as instituições que nos representam, a nível nacional, a nível europeu, se tornassem em instituições presas a números, a estatísticas, a lucros, a burocracias, mas completamente indiferentes à miséria humana?
As notícias que nos chegam diariamente não parecem informação sobre um mundo real, mas um delírio alcoólico, uma maluqueira qualquer criada por um jornal satírico.
Náufragos, entre eles crianças, boiam mortos nas águas do mediterrâneo; a UE ameaça a Grécia de expulsão do espaço Shengen por não conseguir controlar as suas fronteiras e conter a vaga de refugiados; a Turquia recebe dinheiro da UE para não deixar os migrantes transporem as suas fronteiras, «invadindo» solo europeu; a Dinamarca aprova uma lei de confisco de bens acima de determinado valor aos refugiados do seu país; a Suécia apronta-se para repatriar 80.000 migrantes; também a Finlândia pensa em «despachar» do seu território 20.000 refugiados; refugiados são obrigados a usar pulseiras identificativas no País de Gales; 10.000 crianças refugiadas desapareceram em solo europeu; civis sírios morrem diariamente em bombardeamentos militares; na cidade sitiada de Madaya, também na Síria, pessoas morrem diariamente à fome; o grupo terrorista ISIS (cuja génese não será assim tão difícil de perceber, com muitas culpas no cartório de países ocidentais) ocupa vastas áreas de território no Iraque e Síria, instalando o medo e o absurdo entre a população; a Turquia diz combater o ISIS, mas ataca mais o povo curdo (que combate o ISIS) do que propriamente os alvos terroristas do EI.
E os nossos representantes europeus parecem simplesmente inaptos para resolver tudo isto, porque talvez não haja realmente vontade de reflectir de forma séria e tentar arranjar soluções dignas. Essas soluções entrariam em confronto directo com interesses vários (políticos, económicos, geoestratégicos). Os nossos representantes europeus são um reflexo de cada um de nós: pessoas centradas no conforto pessoal, na possibilidade de um futuro risonho que não pode ser estragado por detalhes exteriores, no EU como força mais importante do que o NÓS.
O manancial de informação que podemos recolher pela internet e propagar pelas redes sociais não nos tornou mais sábios e atentos aos que se passa com os outros. Num paradoxo, tornou-nos indiferentes, capazes de olhar sem ver. As nossas revoltas são instantâneas e não perduram, os ódios injustificados fomentados por palavras alheias estão a transformar-nos em seres estranhos, sem empatia pelo próximo.
Passamos por este mundo de forma dormente, fazendo tantos outros passar por ele de forma dolorosa.