Libertem as mamas!
Como já referi noutros posts, não sou grande frequentadora das redes sociais. Uso apenas o Facebook, embora seja uma utilizadora esporádica. Assim, basta estar uns dias sem dar grande atenção àquilo para começar uma guerra cibernética e eu não saber de nada. E foi mais ou menos isso que aconteceu na semana passada. Entro eu no Facebook quando me deparo com um fenómeno de guerrilha, de protestos, de estratégias de retalização em preparação e uns quantos «amigos» com as contas bloqueadas temporariamente ou amuados depois de um ralhete do Zuckerberg.
E tudo começou de forma inocente. Após a morte de Mário Soares, um ou outro utilizador do Facebook postou uma foto de Soares com a sua esposa, na praia, cumprimentando uma turista holandesa em topless. A imagem tinha uma carga implícita que, a meu ver, era interessante. A foto era antiga e demonstrava um país que saía do jugo do conservadorismo da ditadura e entrava numa nova etapa que tornava possível uma fotografia daquelas.
(Fotografia retirada do site do Diário de Notícias)
Mas o Facebook não suporta mamas. Mais concretamente, o Facebook não suporta mamilos femininos. Basta uma denúncia de algum frustrado, um polícia dos costumes da atualidade, para logo o utilizador que se atreveu a mostrar tal coisa estar em muito maus lençóis.
E esta abominação às mamas estende-se a qualquer representação de seios femininos: uma imagem de uma pintura, de uma escultura, uma fotografia de um povo indígena meio despido ou uma singela fotografia de uma mãe a amamentar, tudo se enquadra dentro dos critérios de pornografia da rede social.
Mas esta censura ao mamilo é dual. Se o mamilo for masculino não há problema, mas qualquer nesga de um mamilo feminino gera censura garantida. O engraçado é que a mama em si, por maior que seja, por mais exposta que possa estar, não é um problema em si. Apenas aquele pedaço de pele — o mamilo — provoca tal estado de alvoroço aos senhores que controlam as redes sociais.
Disto, deixo apenas uns quantos apontamentos:
— A forma como o corpo feminino é observado, apesar do avanço dos tempos, ainda está muito ligada a certos dogmas religiosos. As principais religiões monoteístas, de origem patriarcal, sempre difundiram a imagem da mulher, do corpo feminino, ligada ao pecado, à sujidade. Por trás da forma como o corpo feminino é representado e observado na atualidade estão séculos de atribuições pejorativas à mulher (e de submissão ao homem);
— Mulheres heterossexuais e homens homossexuais também sentem atração por um peitoral exposto masculino, mas nem por isso essas imagens erotizas de peitorais masculinas são censuradas;
— É certo que a imagem da mulher é muito erotizada, mas não será a do homem também? No fim, todos os seres humanos têm um corpo, nascem despidos e, antes de qualquer erotização, o corpo é o que de mais natural existe em nós. É justificável esta censura a um pedaço de pele?
— Os seios femininos, antes de qualquer coisa, servem para alimentar recém-nascidos e isso, alimentar uma criança, não tem nada de erótico ou pornográfico;
— Há uma clara diferença entre anatomia, erotização e pornografia que deveria ser ressalvada;
— Há uma diferença entre os valores europeus e os valores estadunidenses. Talvez se justificasse uma rede social fundada na Europa, alicerçada em valores europeus, sem traços de conservadorismo barato;
— Numa época em que o corpo feminino é objetivado, é usado como promotor publicitário, em que serve para impulsionar vendas ou enaltecer a imagem a quem a ele se associa, não deixa de ser hilariante esta censura a uns quantos milímetros de pele.
Por isso, que se libertem as mamas — seios, mamas, ( ∙ ) ( ∙ ), que os seios arejem, que os mamilos vejam a luz do dia. No final, é apenas um pequeno pedaço de pele, característica de todos os seres humanos (homens e mulheres).
Amadeo Modigliani