Guerras invisíveis
Quantas guerras podem os meios de comunicação seguir, difundindo a informação recolhida? Quantas guerras queremos nós, consumidores de informação, acompanhar, absorvendo mortes, interiorizando a destruição, sentindo a perda? Não muitas. Uma e talvez chegue.
Com a guerra da Síria a dominar a agenda noticiosa, há guerras que se tornam invisíveis, esquecidas, como se nem lá estivessem. Olvidadas pelos meios de comunicação e esquecidas pelas comunidades internacionais, as guerras invisíveis matam milhares, deixam outros tanto à beira do colapso da desnutrição, mas coração que não vê, coração que não sente.
No Iémen, desde 2015 que uma guerra civil vem carcomendo o país, com grandes responsabilidades da interferência de nações como a Arábia Saudita. Em 2011, no rescaldo da primavera árabe, o presidente Saleh foi deposto. Seguiu-se o presidente Hadi, eleito por via de eleições reconhecidas. Mas a chegada de Hadi foi contestada pelos rebeldes Houthis que acabaram a tomar Sanaa em 2014. Hadi fugiu para a Arábia Saudita. Assim, temos os rebeldes Houthis a apoiar o ex-presidente Saleh, a Arábia Saudita a apoiar Hadi, fazendo bombardeamentos constantes contra posições rebeldes. Mas a guerra, para além de civil, é sectária — a arábia Saudita sunita apoiando Hadi e o Irão xiita apoiando os rebeldes Houthis.
Mohammed Huwais/GETTY (imagem retirada do site do jornal Expresso)
No meio deste conflito está a população civil que, depois de meses de bombardeamentos, de deslocações forçadas dentro do território, de ver as condições básicas do país fenecerem, está no limiar de sobrevivência, com milhares de crianças em situação de desnutrição aguda. Em dezembro de 2016, estimava-se a morte de pelo menos 6000 pessoas desde o início do conflito em 2015.
Uma guerra de contornos complicados de perceber para um cidadão ocidental, uma guerra «lá longe», uma guerra que se some no meio de outras guerras com mais interesse.
Não fosse o solo europeu o destino de muitos refugiados sírios, não estivéssemos nós de alguma forma ligados, mesmo contra a vontade, à guerra síria e também ela seria um conflito sem interesse «lá longe».
As pessoas, aqui, na Síria, no Iémen, sofrem de semelhante maneira, têm semelhantes sonhos, sentem fome, medo e frio como cada um de nós sentiria se exposto a semelhantes adversidades.
Por isso, nenhuma guerra merece a invisibilidade internacional, nenhuma guerra merece ser transformada, pelo meio do esquecimento, num acontecimento normal e aceitável. Por trás da guerra, dos interesses que a promovem, estão as pessoas, adultos e crianças e nenhum ser humanos merece ser votado ao esquecimento pelo seu semelhante.