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Quimeras e Utopias

Quimeras e Utopias

Festival das memórias

Uma das minhas primeiras memórias preservadas durante décadas remonta a 1980/81, teria eu uns dois ou três anos e o que o ouvido captou e os olhos míopes ajudaram a gravar em memória foi o início da transmissão do Festival da Eurovisão da Canção. Numa época em que o entretenimento televisivo era bastante limitado e, morando eu numa zona rural, o entretenimento de uma forma geral era coisa arcaica quando comparada com os tempos que correm, a transmissão do Festival da canção era um momento de grande excitação e expetativa, vivido em família, motivo de conversa nos dias seguintes, momento televisivo imperdível.

 

Na memória desse longínquo ano ficou o hino inicial da transmissão, a imagem gráfica básica, mas que marcava o ponto de partida da grande noite que se seguia, tornando-se assim memorável.

 

Hino Eurovisão RTP-ZDF (Marc-Antoine Charpentier - Te Deum) 

 

Nos anos seguintes, a expetativa manteve-se. A transmissão do festival continuou a ser ponto alto no entretenimento em família, fonte de angústia e excitação (os momentos das votações dos vários países, o raio da vitória que nunca nos calhava na rifa, o complô evidente entre os países bálticos, a amizade entre os países escandinavos e o raio dos coitadinhos dos portugueses nunca tinham direito a nada). No festival de 1991 apareceu uma das minhas canções favoritas de sempre. A canção francesa de Amina agarrou-se-me à memória de tal maneira que, numa época sem internet e sem grandes recursos de procura musical, por lá hibernou, recordada em trauteios volta e não volta. Com o surgimento décadas depois do youtube, busquei Amina e trouxe-a à tona da memória e ali estava novamente «C'est le dernier qui a parlé qui a raison», sons de outrora disponíveis para serem relembrados.

 

Amina, Cést le dernier qui a parlé qui a raison (a música de Amina ficou em primeiro lugar empatada com a Suécia, mas este último país, tendo obtido mais vezes 12 pontos, foi declarado o vencedor do certame).

 

Com o avançar da década de noventa e com a chegada dos anos 2000, o fervor pelo festival foi desvanecendo lentamente. Novos canais televisivos surgiram, a qualidade das músicas apresentadas começou em franco declínio até chegarmos a um ponto em que o festival se transformou num espetáculo visual aparatoso, mas musicalmente pobre, não justificando que se gastasse horas a acompanhar a sua transmissão. A língua inglesa passou a ser língua de escolha preferencial para as letras das músicas, o género dominante é o pop (nada contra), mas, salvo raras exceções, o que se vê são cópias rápidas, sem grande originalidade, pobres a todos os níveis, transformando o concurso num desenrolar de «músicas» sem interesse.

 

Este ano, um certo fervor do passado regressou. Se há uns quantos anos não faltariam por aí pessoas que nem sequer saberiam quem era o concorrente português à eurovisão, este ano isso será fenómeno raro. A escolha de Salvador Sobral não convenceu toda a gente — para alguns, a música não será suficientemente festivaleira, musicalmente boa demais para o certame em questão (o que diz muito sobre a qualidade atual percecionada do festival), mas para outros, adequando-se ou não ao propósito para o qual foi escolhida, é uma boa música que nos dignifica enquanto país concorrente.

 

A quem neste momento abra um qualquer agregador de notícias, por lá encontrará uma boa quantidade de artigos sobre o concorrente português, a quem abra o youtube, por lá se deparará com diversas versões da música, entrevistas ao músico, vlogs de opiniões sobre a canção portuguesa. E o interesse por um certame, até à data decadente por estas bandas, ganhou um ímpeto inusitado que trouxe o Festival da Eurovisão para tema central das conversas de café e das redes sociais.

 

Salvador Sobral, Amar pelos dois.

 

Pessoalmente, gosto da nossa música e embora não tenha acompanhado o festival nas últimas décadas, as memórias da infância, aquele vislumbre de tempos idos, leva-me a depositar um carinho especial por este evento. A memória regressa à infância, regressa ao frenesim daqueles tempos e secretamente sussurro:

Portugal, 12 points.

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