Aleppo
Chove lá fora, uma certa melancolia tomou conta de mim. A presença da árvore de Natal com as suas bolas e enfeites coloridos não me desperta grande alegria, o chá quente que sorvo em pequenos goles não me consegue aquecer, a música que ouço, selecionada já sob o espetro do abatimento, consegue apenas cumprir a função de me fazer saltar lágrimas dos olhos.
Não choro pela minha miséria pessoal. Apesar desta me parecer, certos dias, gigante, um parasita com o qual não consigo lidar e enxotar para longe, ela é um nada, um grão de pó quando comparada com misérias que correspondem à verdadeira aceção da palavra.
Em Aleppo, a população que resta foge. Homens, mulheres, crianças. Estima-se que só nos últimos dias 70.000 pessoas tenham abandonado a cidade. As batalhas terminaram depois das forças pró-governamentais terem conseguido recuperar o território. Do acordo celebrado entre o governo sírio, seus aliados Rússia e Turquia e as forças rebeldes, que prevê a retirada de feridos e civis, assim como os combatentes e as suas armas ligeiras, espera-se que o mesmo seja cumprido com integridade e não se resuma a mais uma mão cheia de assinaturas em troca de nada, onde os civis são o eterno perdedor.
Aleppo (imagem retirada do site do Diário de Notícias).
Nas últimas três semanas, as semanas que durou a ofensiva governamental apoiada pela Rússia, há relatos de execuções de civis por parte das forças ofensivas que combatiam pela recuperação da cidade. Pessoas executadas sumariamente, casa a casa, abatidas como uma mosca incomodativa.
A cidade de Aleppo não se pode continuar a chamar uma cidade. É um monte de entulho onde repousarão certamente corpos mortos, pedra caída sobre pedra caída, parede esburacada sobre pertences pessoais que contam uma história de vida, feridos a agonizar, pessoas em pânico em rota de fuga para regiões vizinhas.
Uma guerra onde não se pode fazer observações baseadas em valores maniqueístas — não temos os bons, os maus e os vilões. Todos os intervenientes e as suas motivações, sejam elas óbvias ou obscuras (escapando à maioria dos que absorvem as notícias que lhes metem à frente), não saem com a moral incólume. Todos eles têm as mãos manchadas de sangue de civis inocentes.
Por cá, continuamos as nossas compras de Natal, a escolha do menu para a ceia natalícia, o contar dos dias que faltam para as férias para aqueles que as terão, a ânsia de poder saborear os doces típicos de uma quadra. A nossa alegria tem alergia à miséria alheia.
Como não sabemos o que fazer para resolver o problema ou como não nos interessa sequer conhecer o problema, jogamos a carta máxima da nossa indiferença.