A distopia dos dias
Sozinha no escritório, a ouvir música, enquanto finalizo todos os procedimentos necessários para suspender por tempo indeterminado a actividade onde trabalho…
O mundo sitiado lá fora. Paredes de betão, portas de metal que não trazem o conforto de qualquer tipo de protecção. O mundo sitiado lá fora e cá dentro.
A música que ouço servira-me de mote a uma história distópica que escrevi há uns tempos. Como nunca antes, deixo a música fluir livremente, alta, quase aos berros, porque o espaço está vazio, as cadeiras da sala de espera estão vazias, a televisão (habitualmente tão adepta da Cristina) está desligada. O espaço geme pelas ausências.
A solidão e o medo que sinto neste momento são aterradores. Um medo motivado pela realidade atual, banhado em beleza pela música que já foi pano de fundo de medos literários.
Percebo o ridículo e rio-me sozinha entre papéis. Procurei sentir isto enquanto escrevia, enquanto lia: a exaltação emocional é fascinante. A fúria, o medo, a solidão, a raiva, o descontrolo, mas também a alegria, a paixão, a amizade, o amor e a obsessão. Procurei-os desde sempre. Chorava a ler, chorava a escrever. Ria e temia a ler, exaltava-me e tremia a escrever. Por momentos, aquelas realidades de papel que eu criara ou alguém o fizera para mim, acordavam dentro de mim uma sobrevivente, uma guerreira adormecida pela monotonia da rotina. A rotina que nem sempre era agradável, mas que qualquer ponto de fuga, mesmo que extremo e doloroso, servia para a ofuscar por momentos.
Mas aquela pessoa que se espreguiçava dentro de mim embrulhada em ficção não existe. Ou então existe, mas é apenas uma pequena viciada em risco controlado.
Quando a realidade se torna inverosímil, digna de uma novela distópica, o que sobra é apenas uma imensa e ridícula cobardia.
Só quero que isto acabe.