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Quimeras e Utopias

Quimeras e Utopias

A blast from the past

Recebi uma mensagem, há dois dias, de uma amigo e antigo colega de faculdade. Já não nos vemos pessoalmente há mais de quinze anos, mas volta e não volta vamos trocando umas mensagens pelo Facebook. Desta vez, ele estava a contactar-me porque tinha encontrado, entre as tralhas lá de casa, uma cassete VHS com umas filmagens que tinha feito no nosso tempo de escola. Enviou-me o ficheiro com o filme para eu poder ver e recordar.

 

Achei graça ao gesto e estava à espera de me rir um pouco com as imagens da minha/nossa inocência, com o ar de cromos que todos tínhamos, com aquela arrogância típica da juventude. Seria um momento de pura galhofice. Mas não foi isso que aconteceu.

 

Estudei cinema na Escola Superior de Teatro e Cinema e aquela filmagem do meu amigo (uma filmagem com 18 anos) era uma espécie de making off de um filme que fizemos como projeto escolar. Estávamos lá quase todos os colegas, estava também um jovem colega do curso de teatro (que hoje é um reputado ator, reconhecido internacionalmente pelo seu trabalho) e uma atriz profissional que tínhamos convidado e que gentilmente aceitou o desafio.

 

Quando abri o ficheiro e o filme começou a rolar, senti um baque absurdo dentro de mim. Ali estava eu, jovem, a perseguir um qualquer sonho abstrato de contornos irrealistas e desconexos, ali estavam os meus colegas. Passei três anos da minha vida com aquelas pessoas, via-as quase todos os dias, troquei confidências e aspirações com algumas delas. A alguns deles, sentia-os  como a minha família na ausência da minha própria família.

 

Percebi, com uma certa dor, que elas simplesmente desapareceram da minha vida, sem rasto, como algo que não vemos, só escutamos o eco muito ao longe. O fumo que vemos a pairar de uma fogueira que não conseguimos vislumbrar por entre as sombras. Numa era anterior às redes sociais, os primórdios da internet, o contacto com a maioria deles perdeu-se (daquelas vinte e tal pessoas, tenho contacto esporádico com apenas duas). Alguns deles nem sequer recordo o nome e, não fosse o vídeo, mesmo as fisionomias já se tinham dissipado da minha mente.

 

Dei por mim a pensar em todas as pessoas que já estiveram, fizeram parte do meu dia-a-dia e que já não vejo e que recordo vagamente por entre as brumas da memória. Que será feito de todas elas? Estarão vivas? Serão felizes? Recordar-se-ão de mim?

 

Todas as pessoas que passaram por mim são, de certa forma, contributos para o puzzle que sou neste momento. Cada uma delas forneceu a sua pequena peça para a minha construção e há algo de trágico no esquecimento daqueles que, de alguma forma, fazem parte da minha fundação enquanto pessoa.

 

A suposta galhofice transformou-se numa nostalgia agridoce, num novelo de sentimentos ambivalentes. Rostos que voltaram, como fantasmas, ao meu presente, e o meu próprio rosto a cometer um erro, a persistir numa falha que modelou irremediavelmente o meu futuro.

 

Mas a vida deve ser isso: um andar para a frente com pequenos vislumbres para trás. Se insistirmos nesse voltar de cabeça para o passado, ainda tropeçamos e caímos.

 

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