A aldeia
O regresso às origens foi um choque. Mudar-me para a aldeia foi um momento revestido de uma sensação de deslocamento, de não pertencer ao local ao qual supostamente deveria pertencer.
Desde cedo que fui estudar para fora da minha localidade e essa é uma das razões para que toda a dinâmica de viver aqui me escape. Não sei quem é filho ou irmão de quem, desconheço as histórias que fazem parte do passado da freguesia, do concelho. As pessoas reconhecem em mim os traços fisionómicos dos meus pais, sou identificada como membro deste clube, mas sou um membro trapalhão que não conhece as regras. A intimidade entre as pessoas, o conhecimento da história pessoal de cada um que aqui vive, esta familiaridade intrínseca, acho-a intimidante e estranha. Vivi em prédios, quando morava em Lisboa, onde não conhecia sequer os meus vizinhos e havia um certo conforto em vaguear na rua sendo para os outros uma perfeita desconhecida, uma abstração entre abstrações. Apesar de já aqui viver há mais de uma década, esta sensação de não pertencer (nem aqui nem a lado nenhum) permanece latente e latejante.
Mas a aldeia compensou-me o regresso com algo que ignorava quando vivia na capital. A comunhão com a natureza, os pássaros, as árvores, o vagar do vento, as mudanças cromáticas promovidas pelas estações do ano, cada pequeno detalhe tornou-se importante nesta minha nova vida na aldeia. E se me sinto uma apátrida entre as pessoas do meu local de nascimento, a paisagem circundante, a garça que me cumprimenta pela manhã, os melros palradores, as gralhas nos seus diálogos insistentes, as andorinhas bailarinas, o cheiro das árvores, das flores, o som do sino a anunciar as horas, lembram-me que pertenço aqui. Posso não encontrar um lugar de pertença entre as pessoas, mas esse lugar está lá, só para mim, na natureza.
Arco-iris num dia de outono. Praia fluvia de Paradela, Sever do Vouga
Pássaros a postos para iniciar uma sinfonia. pessegueiro do Vouga
Capela do Linheiro, Rocas do Vouga
Rocas do Vouga ao anoitecer