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Quimeras e Utopias

Quimeras e Utopias

Pessoas em trânsito - primeiros e últimos encontros

Conhecer pessoas é bom, mas é também algo agridoce, um sentimento ambivalente de alegria e perda.

Quando estou em viagem e conheço alguém do país que estou a visitar ou alguém em trânsito, percebo que conhecer formas de ver o mundo fora da minha bolha existencial é essencial, mas é também doloroso, no sentido em que se percebe que cada nova pessoa que se conhece, provavelmente será a primeira e a última vez que a vemos e a ouvimos. Temos a possibilidade, a última, de trocarmos ideias com uma pessoa que acabamos de conhecer.

Na Sardenha, conhecemos o jovem Ricardo, dono do alojamento onde ficamos hospedados, que desejava que amassemos Cagliari e a Sardenha como ele a amava. Um condutor desastroso, mas muito simpático, cujas instruções nos ficaram como um lema de vida: First, breakfast in Marinela, then supermarket and Pacuya. Tudo se resolve com um bom pequeno-almoço à beira mar, o resto logo se verá.  

Em Košice, na Eslováquia, conhecemos Lucia, a mulher que fazia a limpeza do nosso alojamento. Contou-nos que tinha vivido na Grécia, quando fora casada com um grego, e que sentia imensas saudades das saídas com as amigas, conversas em esplanadas, o saborear dos pequenos momentos de confraternização entre amigos, algo que é, aparentemente, coisa bastante mediterrânica e menos habitual na cultura dos países eslavos. Senti vontade de sair com ela, de irmos tomar café a uma esplanada e desejei que encontrasse amigas que lhe fizessem esse pequeno agrado: conversa e café numa saída num dia de sol. Lucia era uma alma do sul europeu presa num corpo eslavo. 

Ainda na Eslováquia, conhecemos um taxista/condutor de Uber ucraniano. O jovem Vladimir estudava para ser Engenheiro de automação industrial e tinha o sonho de ir trabalhar para a Alemanha, quando tivesse o curso terminado. Contava-nos que já não via a família há algum tempo: ele não podia ir à Ucrânia, pois podia ficar retido para servir no exército, e a família não conseguia sair de Kiev para o visitar. Garantia-nos que eles estavam bem, lá na Ucrânia, porque na capital a guerra não se fazia sentir lá. Dois dias passados, vi a notícia de um ataque russo a Kiev, com várias vítimas mortais e recordei Vladimir. A procura de um sonho com uma guerra como pano de fundo.

Em Praga, conhecemos um condutor de Uber uzebeque, que nos salvou de uma eminente perda de avião. Sem falar inglês, entre tradutores automáticos, gestos e palavras soltas, chegamos a tempo ao aeroporto. Por vezes, a língua não é barreira que impeça conexões, ligações improváveis.

Nos lagos de Plitvice, na Croácia, conhecemos uma família chinesa ─ mãe, pai e dois filhos adolescentes ─ , que viviam em Paris. Depois de confessarmos a nossa vontade de conhecer a China, deram-nos vários conselhos de locais a visitar, de uma possível rota de viagem, levando em troca uma lista de atrações portuguesas a visitar numa futura viagem a Portugal.

A Europa é este mosaico composto por fragmentos e cores diferentes, de pessoas em trânsito, de pessoas de cá, lá, de pessoas de cá, lá, de locais que sonham com diferentes paragens, de locais que amam as suas paragens.

E enquanto escrevo este pequeno texto, penso que estas pessoas que coloriram os meus dias de viagem, que me fizeram ver para além do meu pequeno mundo, talvez nunca mais as veja, talvez nunca mais lhes ouça a voz. Mas mesmo nessa certeza de primeiros últimos encontros, foi bom conhecê-las.

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