Os Arrojas desta vida
Não há semana que não apareça por aí mais uma pérola proferida pelo boçal do Pedro Arroja. Este meu post já vai atrasado relativamente à última, mas adiantado relativamente à próxima, que certamente aparecerá não tarda nada. Ontem descobri que este coisinha escreveu um livro (uma edição da editora Guerra e Paz), uma obra «imperdível», não haja dúvida.
Poderia começar por debitar as barbaridades proferidas pelo Arroja, mas acho que acabava por estar a fazer exactamente o que a nossa comunicação social faz: dar tempo de antena a quem não tem nada de inteligível e interessante para dizer.
O Arroja não é o único. Cada vez avançamos mais para um país habitado por Arrojas fascinados pela atenção inusitada que lhes é dada. Daqui podemos apreender várias coisas e questionar outras tantas:
Todas as pessoas têm direito à sua opinião, mas terão todas as opiniões uma validade/qualidade equivalente?
Os órgãos de comunicação privados, como privados que são, têm o direito à selecção dos seus conteúdos, à selecção dos seus comentadores, jornalistas, colaboradores, mas será legítimo usarem os seus espaços informativos para a propagação de ideologias racistas, homofóbicas, misóginas?
Olhando para este caso específico, para este Arroja específico, a sua forma de se expressar é tão caricata que chega a ser humorística; para uma parte da audiência que o observa, Arroja é fonte de entretenimento, alvo de jocosidade e anedota, mas na vasta audiência televisiva do canal onde debita barbaridades, talvez alguns telespectadores se revejam nas opiniões deformadas de Arroja e sintam, dessa forma, as suas próprias opiniões legitimadas, validadas.
Numa sociedade onde o racismo, a homofobia, a misoginia (esta última transmutada numa certa coisificação da mulher, onde esta pode ser tida como objecto de posse do marido e, como tal, tratada como qualquer outro objecto) já não deviam ter lugar e ser apenas lembranças de uma sociedade passada mais arcaica, a propagação televisiva de tais ideologias não se deveria configurar como opinião, mas como crime.
Num vasto universo de professores, cientistas, investigadores, escritores, filósofos, sociólogos e pensadores de um modo geral, qual a razão de uma certa insistência na selecção de colaboradores/mensageiros da razão de um calibre tão medíocre? É raro apanhar um destes opinion makers que seja humilde na sua forma de expressão e que incentive os telespectadores/leitores/ouvintes a uma busca pela opinião própria, bem estruturada, consolidada por factos, mas com abertura à mudança, se esta se provar errónea ou mal fundamentada. Quase todos eles se apresentam como messias, infalíveis nas suas parábolas, exigindo aos seus seguidores que não olhem para o lado, que não pestanejem sequer.
A cultura, a educação, a informação imparcial, a capacidade de pensar de forma autónoma são o caminho para uma sociedade mais evoluída. Não podemos choramingar por não sermos como certas sociedades de certos países — «Porque é que não somos como os dinamarqueses, como os finlandeses, como os noruegueses?»
Choramingar não basta, se não se exige tudo aquilo que nos levará a essa evolução. Choramingar não basta quando se consome com um certo gosto todo o lixo informativo e pseudocultural que nos impingem.