Psicoterapia caseira
Quero acreditar que todos os seres humanos têm comportamentos que, quando confrontados com a lógica da «normalidade», não fazem muito sentido ou são motivados por emoções mesquinhas e pouco razoáveis. Dou por mim muitas vezes a fazer uma espécie de autoanálise, tentando compreender certas condutas ou pensamentos que me pareceram deslocados ou infundados. Porque falei assim com certa pessoa, porque sinto isto ou aquilo relativamente a dado acontecimento, porque fico melindrada com algo que não me diz respeito. Esta psicoterapia caseira sempre me pareceu fazer mais sentido do que a consulta de um profissional.
Não nutro qualquer antipatia pelos psicólogos ou psicoterapeutas, mas a imagem mental que monto na minha cabeça de uma consulta num destes profissionais não me proporciona qualquer conforto. Eu a falar das minhas misérias pessoais, a desfiar um rol de emoções e pensamentos obscuros a um estranho, enquanto o terapeuta, já fartinho de ouvir ladainhas do mesmo género, dilemas indiferenciados, pensa no que vai fazer para o jantar, se desligou o ferro de engomar ou se deu comida ao gato antes de sair de casa.
Claro está que nem todo o comportamento é facilmente solucionado ou compreendido através da terapia caseira. Talvez a ajuda de um profissional não fosse má ideia, me ajudasse a saltar a cerca do até agora intransponível. Mas para quê compreender ou mudar algo que, embora «anormal», me é característico, me define enquanto pessoa?
Tenho quase quarenta anos e desde os meus quatro anos (altura em que a minha irmã nasceu) que durmo com um boneco. É fácil de imaginar o estado em que se encontra um peluche com 34 anos que foi abraçado e afagado diariamente durante todo esse tempo. Quando há uns tempos o mostrei a uma amiga de infância que, sabendo da minha obsessão, me perguntou por ele, ela ficou a rir durante cinco minutos perante a visão do boneco desconjuntado.
Nenhuma mudança na minha vida conseguiu arredá-lo da minha cama. Cresci, casei, tive um filho, mas o boneco continua a repousar junto ao meu peito todas as noites. O meu marido ainda sugeriu que o guardasse como recordação de forma a preservá-lo, pois o estado esfiapado em que está é realmente alarmante. Mas nada ou ninguém consegue tirá-lo dos meus braços. Desde há uns anos para cá, passei a deixá-lo em casa quando viajo. Tenho medo de me esquecer dele em algum hotel ou de o perder se as malas se extraviarem num qualquer aeroporto. Mas esta é mesmo a única cedência que faço no que diz respeito ao afastamento do meu querido boneco.
Se é estranho uma mulher adulta dormir com um peluche esfrangalhado? Talvez seja. Ainda há umas semanas li um artigo que associava o autismo a essa dependência de um boneco ou objeto por parte de um adulto. Talvez a minha dependência tenha uma explicação médica ou psicológica qualquer, mas este ser dependente de um pedaço de tecido e linha de coser sou eu e este eu não quer saber de certas estranhezas, de certas anormalidades. Até gosta delas.