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Quimeras e Utopias

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O fim do abate nos canis municipais

Ando há uns dias para escrever sobre este assunto, mas optei por deixar assentar o pó da irritação que inicialmente me invadiu de forma a conseguir escrever sobre o tema de uma forma mais objetiva e menos passional (o mais certo é esta minha intenção sair frustrada).

 

Foi aprovada na semana passada uma nova legislação que vem proibir o abate de animais em centros municipais, que tem sido usado até agora como forma de controlo da população animal ou sobrelotação. A nova lei prevê apenas a eutanásia de animais com a justificação de problemas de saúde ou de comportamento e sempre através de um ato médico, praticado por um veterinário e de forma indolor para o animal. A lei, apesar de entrar em vigor daqui a um mês, prevê um espaço temporal de dois anos para que sejam criados centros de recolha oficiais onde os animais recolhidos das ruas permaneçam até possível adoção.

 

Pareceu-me uma medida louvável, até porque, no que diz respeito ao abandono animal e mau trato animal, o nosso país tem comportamentos que classificaria típicos de países do terceiro mundo. Para além de uma óbvia falta de consciência por parte de uma fatia considerável da sociedade sobre como tratar os seus animais domésticos, a forma como funciona a recolha/reabilitação e encaminhamento para adoção de animais abandonados ou vadios é também ela bastante deficiente, uma espécie de varrer o problema para debaixo do tapete.

 

A grande parte dos municípios não tem canil, os que o têm, uma parte deles funciona de forma obscura. Li ainda na semana passada o relato de uma pessoa que vive no mesmo distrito que eu, queixando-se que o seu cão tinha desaparecido e tentando procurá-lo no espaço onde supostamente existia o canil municipal do seu município, encontrou apenas um barracão sem qualquer funcionário nem aviso sobre horário de atendimento. Depois de telefonar várias vezes para a câmara municipal, conseguiu falar com o responsável pelo canil (um senhor com mais talento para trabalhar num açougue do que com animais domésticos vivos) que lhe disse não ter tempo de ir com ela ao espaço para que ela pudesse verificar se o cão dela lá estava.

 

Como esta denúncia, existem milhares. Animais recolhidos que desaparecem misteriosamente às mãos de funcionários camarários, recolhas de animais e encaminhamento sistemático para canis de abate.

 

Excluindo estas situações, as recolhas, alimentação, alojamento e encaminhamento para adoção dos vários animais abandonados estão a ser promovidas essencialmente por associações, que sobrevivem apenas e só devido a uma grande dose de altruísmo e dedicação por parte dos seus voluntários. Pegando no caso da associação existente no meu concelho, não fosse o amor condicional aos animais por parte dos seus voluntários, centenas de animais teriam sido encaminhados para o canil de abate de Ílhavo, que até há pouco tempo tinha um acordo de cooperação com a minha câmara municipal. No entanto, o trabalho desta associação e certamente de todas as outras, afigura-se uma autêntica batalha diária. São as despesas com a alimentação e desparasitação que não param de crescer, a falta de espaço, as despesas veterinárias dos animais feridos que são recolhidos, as despesas das esterilizações que são feitas, a promoção diária nas redes sociais para a adoção responsável.

 

Mas voltando à questão da aprovação da lei do fim do abate, o presidente da câmara de Aveiro, capital do meu distrito, após a aprovação da lei de que falo acima, veio mostrar a sua indignação, criticando a proibição de abate de animais. Durante vários anos, os animais recolhidos em Aveiro foram reencaminhados para o canil de Ílhavo, com quem a câmara de Aveiro tinha um acordo de cooperação. A câmara de Aveiro teve o seu canil fechado pela Direção geral de veterinária em 2012, por falta de condições básicas. Este acordo de cooperação permitiu à câmara ver-se livre do problema de forma elementar, sem se dar muito ao trabalho. Os animais eram apanhados e enviados para Ílhavo e lá, grande parte deles foram mortos. Em quatro anos, o número de animais mortos pelo canil de Ílhavo chega a 1000 animais. Num ano, e pelos vários canis municipais do nosso país, são abatidos cerca de 100.000 animais.

 

Para Ribau Esteves, a preocupação pela vida animal nunca terá sido ponto de agenda essencial no seu município. Se até agora conseguiu desviar o problema para mãos alheias, com a mudança da lei e com a revogação unilateral do acordo com o canil de Ílhavo, vê-se agora obrigado a enfrentar e solucionar o problema. Como é óbvio, a solução não é mágica como tem sido a solução provida pelo abate. Mata-se o cão, o problema desaparece, apesar de ser um problema recorrente, crónico. Na realidade, a única coisa que separava certos canis municipais de um matadouro, é que os animais ali mortos não são para consumo humano. De resto, o comportamento para com o animal é em tudo semelhante.

 

O nosso canil não vai ser elástico e a produção de cães vadios é muito alta e não se vai resolver com legislação insensata. Muda o problema e não o resolve.

Palavras de Ribau Esteves numa reunião camarária. A expressão «produção de cães vadios» é esclarecedora da forma um tanto enviesada como o autarca aborda o tema.

 

Olhando para os casos de países onde o abandono de animais é marginal e o problema está dado como erradicado, percebe-se que a solução a adotar não pode ser uma solução a curto prazo, instantânea. Tem de ser a combinação de vários fatores que a médio/longo prazo trarão a desejada erradicação do abandono e dos animais de rua.

 

É necessário promover-se a consciencialização das pessoas para o bem-estar animal e isso deveria ser feito desde a tenra idade. Mais do que a punição criminal pelo mau trato ou abandono (necessária, mas muitas vezes difícil de provar e aplicar), melhor será a promoção da mudança de mentalidades.

 

Tal como aprovado, deveria existir centros especializados para a recolha dos animais, que promovessem a total esterilização das fêmeas e identificação dos animais que seguiriam para adoção. As situações obscuras de vão de escada têm de acabar.

 

Se estes centros forem planeados convenientemente, ao prestarem serviços veterinários pagos aos animais da sua zona, venda de produtos farmacêuticos e alimentares veterinários, poderão em parte financiar o próprio centro.

 

Deveriam ser feitas campanhas de forma ativa que promovessem a adoção responsável, mesmo por parte de entidades coletivas como lares, escolas, empresas, etc.

 

Para terminar, enquanto certas pessoas, tal como o Sr. Ribau Esteves, virem os animais de companhia como chouriças que saem de uma fábrica de enchidos e não como seres sencientes, talvez seja utópico almejar uma mudança drástica na forma como a sociedade trata os seus animais. No entanto, tentemos pensar na resolução deste problema como uma corrida de fundo, um problema que começa a ser resolvido nas suas raízes para ter resultados efetivos e permanentes a longo prazo. A meu ver, a nova legislação, se conveneintemente aplicada, contribuirá para que isso aconteça.

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