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Quimeras e Utopias

Quimeras e Utopias

A lógica não mora aqui

O presidente dos E.U.A, Donald Trump, fez uma visita de estado à Arábia Saudita. Nessa visita, foi assinado um negócio de venda de armamento aos sauditas no «módico» valor de 110 mil milhões de dólares, o maior negócio de venda de armamento da história dos E.U.A.

 

Um dos principais focos da campanha eleitoral de Trump e da sua agenda enquanto presidente dos E.U.A. é a luta contra o terrorismo (islâmico, entenda-se). Também em Riade, o discurso se focou na luta contra o extremismo islâmico, na união do mundo islâmico contra o jihadismo, o fundamentalismo religioso.

 

Num paradoxo, a Arábia Saudita é, enquanto país, governada sob a égide do extremismo religioso. De tradição muçulmana wahabita, ali nasceram os principais preceitos do que hoje caracterizará o extremismo religioso e ainda hoje o país financia e dissemina além portas uma doutrina fundamentalista, fonte onde bebem muitos dos grupos jihadistas e que serve de inspiração para muitos lobos solitários além-fronteiras.

 

No que ao armamento diz respeito, a Arábia Saudita tem forte intervenção na guerra do Iémen, estando o país praticamente dizimado, a população dominada pela fome e pela cólera, no que, por parte da Arábia Saudita, nada mais será do que um combate contra o apoio dado pelo Irão aos rebeldes no Iémen.

 

Como refere Mario Giro, vice-ministro dos negócios estrangeiros italiano, em entrevista ao Diário de Notícias, aquando questionado sobre a possibilidade de vivermos um choque de civilizações:

 

Não estamos a viver um choque de civilizações. Estamos a assistir a um choque dentro de uma civilização. Existe uma crise no mundo islâmico. É uma crise que começou há mais de 20 anos e que, com certeza, afeta também a nossa civilização. Até porque somos a civilização mais próxima da civilização islâmica. Isto pode ser visto agora com o que se passa na Síria e noutros conflitos no Médio Oriente. A narrativa adotada pelos extremistas para atrair as gerações jovens contraria a narrativa tradicional do islão. Trata-se de uma batalha pelo poder. Porque quem controlar o mundo muçulmano controlará 1500 milhões de pessoas. É um problema político.

Excerto da entrevista de Mario Giro ao Diário de Notícias, retirada daqui.

 

Após mais um atentado numa cidade europeia, desta vez em Manchester, é benéfico ler a entrevista de Giro. Nada disto terá a ver com religião. A violência, que na atualidade se transformou em pequenos ataques de lobos solitário, mais frequentes, mas menos mortíferos, não está de todo ligada à religião. O que está em causa é o poder, o domínio de uma civilização, de um território.

 

Mas enquanto o dinheiro falar mais alto, enquanto os negócios, a venda de armamento, tiverem importância maior do que a pacificação de uma região, enquanto o diálogo com os extremistas for privilegiado em detrimento do diálogo com os moderados, enquanto reinarem jogos de poder pelo domínio de uma região, será mais do que certo que a violência persistirá.

 

A lógica morreu. Há muito foi substituída pelo doce cheiro do dinheiro e pela perigosa atração do poder.

 

Artigos relacionados:

https://www.publico.pt/2017/05/21/mundo/noticia/alguem-falou-em-guerra-no-iemen-trump-nao-1772983

http://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/20/internacional/1495269138_611412.html

 

 

10 comentários

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    Sónia Pereira 23.05.2017

    Olhar para o médio-oriente e para todas estas movimentações é quase como estar perante um intrincado jogo de xadrez. Claro que o que está em jogo com estas movimentações são negócios e posicionamento estratégico. A Arábia Saudita é assim apoiada para se destacar como líder da região (é um país considerado aliado das potências ocidentais) e tenta-se refrear a posição dos Iranianos.
    No entanto, considerar o Irão como o inimigo (ainda mais depois de umas eleições em que ganhou Rouhani, mais moderado e que promete uma maior abertura do país), parece-me francamente um retrocesso e atear achas para a fogueira. Claro está que a maior proximidade do Irão com a Rússia será parte da razão de se considerar o Irão o inimigo regional. mas será o Irão pior do que a Arábia Saudita?

    Não posso dizer que tenha um conhecimento profundo da história da região, não tenho, mas o que me parece evidente é que, aconteça o que acontecer, será sempre prioritário o desenvolvimento económico e estratégico à vida das pessoas. Quando se fala em combate ao terrorismo, em combater o radicalismo islâmico (a cada atentado vem sempre o discurso à baila) e depois se vê vendas astronómicas de armamento a um país claramente ligado à promoção do radicalismo islâmico, isso é um paradoxo. São boas alianças estratégicas e económicas para ambos os países: são. É combate ao radicalismo: não. Atrevo-me até a dizer que, não só não é combate, como até, indiretamente, pode ser a promoção desse radicalismo.

    E claro, não digo que, de certa forma, Israel não seja também um país de radicalismos, pois também o é. E são acusados disso mesmo. Não terão, no exterior, uma imagem tão radicalizada como a da Arábia Saudita, porque estes últimos atentam contra certos direitos que para nós, ocidentais, são consagrados (igualdade de género, liberdade religiosa e sexual, etc.).

    Quanto ao silêncio de certos media e de certos intelectuais sobre países como a Venezuela, Coreia do Norte, Rússia, não sei se será bem assim. Alguma esquerda tem dificuldade em criticar regimes mais à esquerda (é verdade) , mesmo quando eles são autoritários, mas acho que o contrário é bem mais aplicável. Como ocidentais, há ainda um certo anticomunismo instalado e parece-me mais evidente a constante crítica aos regimes que referiste. A Rússia continua a ser um bicho papão, mesmo quando os E.U.A. fizeram, a nível de política externa, coisas bastante censuráveis na sua história moderna. Mas ainda assim, a Rússia é uma espécie de anticristo ocidental. As manobras militares da Coreia do Norte têm sido bastante noticiadas, assim como as manifestações na Venezuela, não me parece haver branqueamento informativo. Se o presidente Trump domina as notícias, é verdade. Não me parece perseguição, pois estamos a falar de um país com uma posição dominante a nível mundial. É normal que se fale. Se é em tom crítico, talvez seja. Acho que é impossível ignorar a figura bizarra que Trump é. Talvez se devesse ignorar, mas é difícil. Acho que a bizarria acaba por se sobrepor a tudo o resto.

    Quanto aos conflitos em países como o Sudão, bem, por lá não há petróleo, não há qualquer motivação geoestratégica, não há dinheiro para se fazerem negócios milionários, só há pessoas. É natural que segundo os padrões da atualidade não haja interesse.
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    Maria 23.05.2017

    Uau... é brutalmente enriquecedor ler um debate entre Sónia e Robinson.
    Parabéns e obrigada. São brilhantes
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    Sónia Pereira 23.05.2017

    Tenho de dar a mão à palmatória: ele é mais do que eu. :) Se formos falar de história, de geografia, o Robinson enfia-me a um canto. Eu mando uns bitaites, ele sabe do que fala. :)
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    Rita PN 23.05.2017

    Estou com a Maria, o que eu gosto de Vos ler, Sónia e Robinson. Quando for grande quero ser como vós :)
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    Sónia Pereira 23.05.2017

    As meninas não digam essas coisas que eu fico envergonhada. :)
    O Robinson é um génio, racional, consegue ver «o filme» todo, enquanto eu sou uma utópica (o nome do blog não engana) e acabo por me render a essa utopia, ao mundo imaginado que eu queria que existisse.
    Mas seja no blog dele ou com os seus comentários aqui no meu blog, aprendo sempre com ele e acabo a assentar mais os pés no chão.
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    Robinson Kanes 24.05.2017

    Vi este artigo em destaque e vim cá dar os parabéns!

    Sónia, eu muito à frente? Negativo… Sou apenas uma mistura do que aprendo com os outros, todos vós incluídos (inclusive a Maria e a Rita).

    Parabéns pelo destaque, e parabéns ao Sapo por começar a ver também o que de bom se vai fazendo por aqui e nem sempre com a exposição devida (não me batam, eu sei que não há lugar para todos).

    P.S: sem utopia, de que serve o racionalismo?
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    Sónia Pereira 24.05.2017

    Obrigada, Robinson. Mas isto dos destaques tem que se lhe diga. À conta do post destacado até já nos arranjaram uma nova alcunha e tudo: um anónimo que por cá passou, descontente, já nos apelidou carinhosamente de Soninha e de Kanesinho. :)
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    Robinson Kanes 24.05.2017

    São os efeitos da fama, minha cara… São os efeitos da fama :-)

    Vamos tentando mudar o mundo como podemos, nem que seja nos pequenos aspectos. E já que não podemos mudar o mundo, ao menos tentamos articular ideias.

    É normal, é sinal que o que escreves tem impacte.

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    Sónia Pereira 25.05.2017

    A minha mãe, ao ver a minha inquietação, já me disse isso mesmo: não podes mudar o mundo E é essa mesma inquietação que me traz aqui. Não mudo o mundo, mas sempre aplaco um pouco as minhas inquietações escrevendo, trocando ideias, lendo o que os outros têm a dizer.
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