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Quimeras e Utopias

Quimeras e Utopias

A escola, máquina corporativa

— Mãe, odeio a escola!

 

Estas palavras, mais um rol de outras tantas de semelhante sentido, são desfiadas todas as manhãs, como uma ladainha lamurienta de alguém que se sente acossado.
Esta aversão do meu filho à escola entranhou-se de tal forma, que o rendimento escolar dele é medíocre, frustrando-o ainda mais, causando uma revolta interna que leva a vómitos matinais, choro, um desalento generalizado.
Tentando ir à génese do desconforto, que já vem de anos anteriores, percebe-se que todo o sistema, a forma como a informação lhe é transmitida, é desinteressante, pouco motivadora, levando-o à distração e consequente mau desempenho.

 

— Mãe, a escola é uma seca. Ter de estar para lá parado, sentado, quieto a olhar para o quadro e para os livros…

 

Desde o primeiro ano do ensino básico que a meta pedagógica consiste em «despejar» uma determinada quantidade de informação para o aluno absorver. Um aluno padrão talvez consiga (consegue) processar essa informação, decorá-la, interioriza-la sem questionar. Outros tantos alunos, ainda crianças em idade de se perderem em brincadeiras, têm maior dificuldade em «engolir» tal quantidade informativa, sendo que muitas vezes essa incapacidade aparece não por dificuldades cognitivas, intelectuais, mas precisamente pelo oposto. O espírito crítico, inquisitivo do meu filho, leva-o a questionar-me, constantemente, do porquê. Qual a razão dele ter de aprender de rajada tanta coisa, por que motivo tem de ir à escola, por que motivo tem de estar quieto e parado, para que serve aquilo que lhe ensinam diariamente e ele teimosamente ignora.

 

— Mãe, parece que estou na prisão. O que eu que eu fiz para ter de estar nesta prisão?

 

Este meu desabafo não se enquadra, de maneira alguma, numa crítica à classe dos professores. Olhando para o exemplo da professora do meu filho, ela tem, numa mesma sala, à sua responsabilidade, duas turmas: uma de primeiro ano e outra de segundo ano (a do meu filho). A turma de primeiro ano é, obviamente, um desafio de grande exigência para qualquer professor. A turma de segundo ano, de alunos mais velhos, não ficará à deriva, mas apenas com orientações gerais, com menor apoio personalizado. Isto acontecerá em todas as turmas de anos mistos ou com maior número de alunos. Não há espaço para a personalização de apoio às necessidades educativas dos alunos, da perceção dos seus problemas, das suas angústias. Socialmente e até dentro do sistema, o aluno que não acompanha o ritmo estipulado pelo programa é um aluno problemático, distraído, desinteressado, burro.

 

Em casa, sozinha, pergunto-me como o poderei motivar, como poderei transformar a aversão em diversão, mas é difícil quando eu própria não acredito nesta forma de ensino. Um ensino que não se apoia de forma alguma na criatividade, no espírito inquisitivo, na demonstração prática, na individualidade, unicidade do aluno.

 

— Mãe, para quê tentar se vou falhar de qualquer das maneiras? Mais vale desistir…

 

Todo o apoio para o meu filho terá de ser (e está a ser) exterior à escola porque esta não está preparada para o ajudar, não está preparada para a exceção (que nem será tão exceção assim). A exceção encrava a engrenagem do sistema, não interessa a ninguém. Neste momento a escola funciona como uma grande máquina corporativa, burocrática, uma empresa onde os nossos filhos estão empregados a tempo inteiro. Alguns, tal como nós adultos, aguentam e superam a rotina, já formatados desde pequenos para o que há de vir. Outros, questionam, estrebucham, cismam em ser crianças.


Quanto a mim, gostava de lhe poder dizer que a escola é importante, mas talvez, em prol da sua saúde mental me deva focar em lhe mostrar que existe muito mais mundo para além da escola. Que se as perguntas dele, as suas dúvidas e inquietações, não têm resposta na escola, farei de tudo para encontrar essas respostas, essa imensidão de saber, de conhecimento interessante, cá fora, do portão da escola para fora.

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