Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Quimeras e Utopias

Quimeras e Utopias

A diversão como moeda do século XXI

Há meia dúzia de dias, Pedro Ferraz da Costa, presidente do Fórum para a Competitividade, veio dizer que os portugueses não queriam trabalhar. Há vagas de emprego por preencher, há desempregados, logo a conclusão «óbvia» para o homem é que «as pessoas não querem trabalhar». Não há direito a análise do tipo das ofertas de emprego (salário oferecido versus competências exigidas), condições laborais oferecidas pelos empregadores com dificuldade em contratar, análise dos desempregados que procuram emprego e suas ambições/competências e adequação às ofertas de vagas por preencher. Isso é análise a mais quando se pode simplesmente saltar para uma conclusão precipitada.

 

Não querendo aprofundar-me sobre este assunto, também vou na corrente e salto para uma conclusão, quiçá, precipitada: uma parte substancial dos empregadores parece acreditar, talvez embalados pela cultura dominante deste século XXI, que o emprego, em si, é uma benfeitoria que oferecem aos seus potenciais colaboradores. Ter um emprego aparece como uma regalia por si só e pedir um salário justo, adequado às competências exigidas, é uma espécie de afronta que é feita aos já muito caridosos empregadores. O «se não queres há mais quem queira» é o desenlace fatal para aqueles que ousam questionar.

 

De certa forma, caminhamos para uma espécie de escravatura dos tempos modernos. As grilhetas de hoje não são físicas, não estamos acorrentados contra a nossa vontade ou chicoteados por vis capatazes, mas somos agrilhoados pelas necessidades financeiras que se impõem sem dó nem piedade. Assim, há uma sujeição a empregos mal remunerados, a abusos laborais vários e a não sujeição a tal coisa é vista como preguiça, falta de vontade de trabalhar. 

 

Juntando a esta situação, aparece ainda a subversão de algo que nasceu com um intuito francamente positivo, mas que hoje é usado como uma espécie de eufemismo para trabalho não remunerado. O voluntariado agora é palavra usada a torto e a direito por organismos que promovem eventos que geram lucros tremendos e que, ainda assim, empregam centenas de pessoas a custo zero.

 

 

Trabalhar de graça no Rock in Rio, no Web Summit ou no próximo Festival Eurovisão da Canção 2018, a troco de «diversão e uma t-shirt», exigindo, ainda assim, aos candidatos competências várias, é uma afronta ao que  o voluntariado deveria ser. É ainda uma forma enviesada de transformar, na mente das pessoas, o trabalho e sua justa compensação, numa oferta de trabalho pelo simples gosto de trabalhar, sem necessidade acrescida de qualquer outra compensação.

 

A garantia de diversão transformou-se assim, numa espécie de moeda de pagamento do século XXI, a malga de comida do final da jornada de trabalho escravo dos tempos modernos. 

 

O patrão da Padaria Portuguesa exultava o espírito de equipa como algo mais importante do que um bom salário base. O novo voluntariado remunera os seus «voluntários» em diversão. Só é pena nem o espírito de equipa nem a diversão pagarem a conta da EDP e a renda de casa.

 

Entre estágios não remunerados ou promovidos pelo IEFP, salários desadequados à função e competências exigidas e o voluntariado degenerado, há que se trabalhar sob pena de sermos catalogados de preguiçosos e de só querermos boa vida.

2 comentários

  • Imagem de perfil

    Sónia Pereira 22.02.2018

    Obrigada. :)
    O mercado de trabalho está a passar por grandes transformações, que, infelizmente, não são sinónimo de uma maior qualidade de vida para os trabalhadores. E no futuro, com uma maior automação industrial, a tendência será ainda uma maior deterioração das condições laborais. Veremos como as sociedades irão enfrentar estes desafios do século XXI. Submissão ou luta?
  • Comentar:

    Mais

    Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

    Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.

    Mais sobre mim

    foto do autor

    Subscrever por e-mail

    A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

    Mensagens

    Arquivo

    1. 2024
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    14. 2023
    15. J
    16. F
    17. M
    18. A
    19. M
    20. J
    21. J
    22. A
    23. S
    24. O
    25. N
    26. D
    27. 2022
    28. J
    29. F
    30. M
    31. A
    32. M
    33. J
    34. J
    35. A
    36. S
    37. O
    38. N
    39. D
    40. 2021
    41. J
    42. F
    43. M
    44. A
    45. M
    46. J
    47. J
    48. A
    49. S
    50. O
    51. N
    52. D
    53. 2020
    54. J
    55. F
    56. M
    57. A
    58. M
    59. J
    60. J
    61. A
    62. S
    63. O
    64. N
    65. D
    66. 2019
    67. J
    68. F
    69. M
    70. A
    71. M
    72. J
    73. J
    74. A
    75. S
    76. O
    77. N
    78. D
    79. 2018
    80. J
    81. F
    82. M
    83. A
    84. M
    85. J
    86. J
    87. A
    88. S
    89. O
    90. N
    91. D
    92. 2017
    93. J
    94. F
    95. M
    96. A
    97. M
    98. J
    99. J
    100. A
    101. S
    102. O
    103. N
    104. D
    105. 2016
    106. J
    107. F
    108. M
    109. A
    110. M
    111. J
    112. J
    113. A
    114. S
    115. O
    116. N
    117. D
    118. 2015
    119. J
    120. F
    121. M
    122. A
    123. M
    124. J
    125. J
    126. A
    127. S
    128. O
    129. N
    130. D
    Em destaque no SAPO Blogs
    pub