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Quimeras e Utopias

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Taxistas da província

Como nem só de Trump vive o homem, hoje decidi fazer um texto diferente. Um pequeno relato muito sintético de algumas das histórias das aventuras e desventuras do meu pai, taxista de profissão, já reformado.

 

Quando vivia em Lisboa, experienciei algumas situações caricatas com taxistas —viajei com um taxista que tinha uma veia assassina — sempre que se aproximava de uma passadeira cujo sinal de peões tinha mudado recentemente para vermelho, acelerava como um louco, quase ceifando os peões mais atrasados; ou ainda um outro que se descalçou quando entrou no carro, conduzindo descalço, aumentando o volume do rádio, que debitava música clássica, quase aos limites do aceitável. Foram, entre muitas outras, experiência engraçadas (e assustadoras) que vivenciei na capital, mas nada comparáveis às histórias do meu pai como taxista na província (como os meus colegas e amigos de Lisboa chamavam a todas as localidades além-fronteira do distrito).

 

Uma das clientes do meu pai, num forte dia de sol, resolveu abrir a sombrinha dentro do carro, um guarda-chuva que quase furou o revestimento do teto da viatura, levando o meu pai a conduzir a toda a brida pelo centro da localidade, não fosse ser reconhecido pelos colegas e sequentemente gozado pela situação insólita. Também as chamadas de um carro de praça em dia de feira poderiam trazer água no bico, como de uma vez em que, chegando à feira para ir buscar uns clientes, se deparou com um passageiro suplementar. Os clientes tinham comprado um porco que pretendiam transportar de táxi até casa. Havia ainda uma cliente mais idosa que todos os anos, no inverno, o contratava para a levar à praia. A senhora caminhava pelo areal vazio, sendo que a dada altura, virando-se de costas para o mar, levantava as saias para arejar por baixo. Segundo parece, o arejamento marítimo fazia-lhe bem, permitindo-lhe passar o resto do ano em pleno. Claro que, perante tal imagem, o meu pai, dentro do carro no estacionamento acima da praia, escondia-se atrás de um jornal com vergonha de ser associado à insólita situação.

 

Mas as histórias mais engraçadas acabam por ser as relacionadas com as idas ao bruxo ou bruxa. Tal como agora, algumas pessoas procuram ajuda muitas vezes motivadas por razões simples, como a solidão, a falta de quem as ouça ou por acharem que as vias normais não têm solução para aquilo que as apoquenta. Uma vez, há muitas anos atrás, o meu pai levou uma cliente a um bruxo. Chegados ao destino, o consultório estava cheio, deixando a cliente desmotivada por ter de esperar tanto tempo. Sugeriu ao meu pai que fossem comer qualquer coisa a uma tasca conhecida. Depois de umas sandes e uns copitos de vinho, o meu pai sugeriu que regressassem ao bruxo para verem se a sala de espera entretanto esvaziara, permitindo que ela fosse consultada, ao que ela respondeu: «Sabes uma coisa, já me sinto bem melhor. Acho que já não preciso de ir. Vamos para casa.»

 

Para finalizar, fica a história da cliente que, sentindo-se doente, anormalmente inchada, revelou vontade de consultar um bruxo já seu conhecido para tentar resolver o seu problema de saúde. No consultório, perante o ouvido apurado de outros clientes e do meu pai que por lá ficou, a senhora revelou ao bruxo os seus desconfortos, ao que ele lhe pediu que se levantasse. Agarrando-a por trás, rodeou-a com os dois braços e deu-lhe um valente apertão na zona abdominal. O que se seguiu a este método pouco ortodoxo foi uma sinfonia de flatulência e arrotos que deixou a cliente envergonhada, mas aliviada e os restantes clientes a controlarem o riso para não serem corridos pelo bruxo que não permitia tal escárnio na sua sala de espera. Podemos duvidar das capacidades dos bruxos, mas ao que consta, desta vez a cliente saiu do consultório satisfeita, com o problema resolvido, apesar da sessão de foguetes que a deixou um pouco humilhada.

 

Todas estas histórias e seus protagonistas são histórias do passado, de um tempo ido, embora as diferenças entre a relação cliente/taxista, se compararmos a cidade com a aldeia, ainda sejam abismais.

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