Há meia dúzia de dias, Pedro Ferraz da Costa, presidente do Fórum para a Competitividade, veio dizer que os portugueses não queriam trabalhar. Há vagas de emprego por preencher, há desempregados, logo a conclusão «óbvia» para o homem é que «as pessoas não querem trabalhar». Não há direito a análise do tipo das ofertas de emprego (salário oferecido versus competências exigidas), condições laborais oferecidas pelos empregadores com dificuldade em contratar, análise dos desempregados que procuram emprego e suas ambições/competências e adequação às ofertas de vagas por preencher. Isso é análise a mais quando se pode simplesmente saltar para uma conclusão precipitada.
Não querendo aprofundar-me sobre este assunto, também vou na corrente e salto para uma conclusão, quiçá, precipitada: uma parte substancial dos empregadores parece acreditar, talvez embalados pela cultura dominante deste século XXI, que o emprego, em si, é uma benfeitoria que oferecem aos seus potenciais colaboradores. Ter um emprego aparece como uma regalia por si só e pedir um salário justo, adequado às competências exigidas, é uma espécie de afronta que é feita aos já muito caridosos empregadores. O «se não queres há mais quem queira» é o desenlace fatal para aqueles que ousam questionar.
De certa forma, caminhamos para uma espécie de escravatura dos tempos modernos. As grilhetas de hoje não são físicas, não estamos acorrentados contra a nossa vontade ou chicoteados por vis capatazes, mas somos agrilhoados pelas necessidades financeiras que se impõem sem dó nem piedade. Assim, há uma sujeição a empregos mal remunerados, a abusos laborais vários e a não sujeição a tal coisa é vista como preguiça, falta de vontade de trabalhar.
Juntando a esta situação, aparece ainda a subversão de algo que nasceu com um intuito francamente positivo, mas que hoje é usado como uma espécie de eufemismo para trabalho não remunerado. O voluntariado agora é palavra usada a torto e a direito por organismos que promovem eventos que geram lucros tremendos e que, ainda assim, empregam centenas de pessoas a custo zero.
Trabalhar de graça no Rock in Rio, no Web Summit ou no próximo Festival Eurovisão da Canção 2018, a troco de «diversão e uma t-shirt», exigindo, ainda assim, aos candidatos competências várias, é uma afronta ao que o voluntariado deveria ser. É ainda uma forma enviesada de transformar, na mente das pessoas, o trabalho e sua justa compensação, numa oferta de trabalho pelo simples gosto de trabalhar, sem necessidade acrescida de qualquer outra compensação.
A garantia de diversão transformou-se assim, numa espécie de moeda de pagamento do século XXI, a malga de comida do final da jornada de trabalho escravo dos tempos modernos.
Entre estágios não remunerados ou promovidos pelo IEFP, salários desadequados à função e competências exigidas e o voluntariado degenerado, há que se trabalhar sob pena de sermos catalogados de preguiçosos e de só querermos boa vida.
Cá por casa, somos apreciadores de fazer uns passeios de fim de semana pelas belezas naturais da região. As serras que nos circundam têm muito para explorar e nunca deixam de surpreender a cada nova visita, pois cada estação do ano pinta a paisagem com diferentes cores, chegam-nos diferentes cheiros, como se cada visita fosse a primeira.
Neste último fim de semana, que para nós foi prolongado, aproveitamos o bom tempo de segunda-feira para ir explorar a Serra de S. Macário. Pertencente ao concelho de S. Pedro do Sul, esta serra é de uma enorme beleza natural, pelas suas características geológicas, pelas pequenas aldeias perdidas na serra, vazias ou na eminência disso.
Mas neste post não pretendo falar do passeio à serra. Amanhã logo aqui colocarei algumas fotografias em jeito de reportagem do passeio. Neste post, pretendo apenas referir o pequeno incidente de comunhão com a natureza.
Parámos a caminho da topo da serra para apreciar as vistas. Há já um bom bocado que não nos cruzávamos com nenhum outro carro. A serra parecia só nossa. Já estávamos longe das últimas povoações antes da subida e não se via vivalma, não se ouvia qualquer barulho, a não ser o frenesim de alguns pássaros e as nossas conversas de família.
Comecei a ficar com uma vontade extrema de urinar. Parece que, quando temos a perceção que não há nenhuma casa de banho próxima, a situação ainda se agudiza mais. É uma mistura explosiva entre a necessidade física e a pressão psicológica.
O meu marido logo me incentivou a urinar atrás de uns arbustos rasteiros na beira da estrada. Não havia mal nenhum, era só um xixi, e além disso não se via ninguém que pudesse assistir à minha triste figura de «comunhão com a natureza». Não sou grande amante de urinar na natureza. Nesse setor, sou uma perfeita comodista. Mas quando a vontade aperta e por perto não há salvação possível, lá tem de ser.
Baixei-me atrás do arbusto, mas muito mal camuflada, pois a vegetação era rasteira, e lá comecei a aliviar-me.
Pois... bastaram umas quantas pinguitas, para logo começar a ouvir um carro em aproximação. Para ali fiquei, de cócoras, de calças baixas, a rir que nem uma perdida, entre a vergonha e o meu sentido de oportunidade (ou falta dele) que me causava gargalhadas. Era um carro cheio de gente, com cinco passageiros, todos eles testemunhas da minha comunhão com a natureza. E logo ali, de enfiada, depois de mais de meia hora sem um único veículo à vista, passaram mais dois ou três carros.
À memória veio de imediato este sketch da série belga «E se?». Não encontrei com legendas, mas dá para perceber. Quando estamos de calças na mão, não faltam espectadores para a nossa «desgraça». :)
A palavra piolho tem um estranho efeito psicossomático em que a ouve ou a lê. Umas quantas letrinhas, uma singela palavra, que inevitavelmente me levam as mãos à cabeça, a coçar freneticamente, numa tentativa de aplacar a comichão que por ali se instalou, mal a palavra foi ouvida ou as letras que a compõem lidas.
O meu filho, no início da semana, trazia um aviso escrito na caderneta escolar, que pedia aos educadores para verificarem as cabeças dos seus educandos. O efeito perverso do aviso é que a palavra piolho nem sequer por lá estava escrita, mas a presença dos bichinhos na cabeça de alguma criança da turma estava implícita. Mal li o aviso, comecei a coçar-me de imediato. Depois de verificar a cabeça do meu miúdo e perceber que por lá não andavam moradores indesejados, mesmo assim a minha comichão não desapareceu. Entretanto, já pus o meu marido à procura dos meus piolhos imaginários e nem o facto dele não ter caçado ou sequer detectado nem um pequenino, nem um desgraçado de um pequeno bebé piolho, me sossegou. Neste momento, sofro de piolhos psicológicos e não desejo desagradável maleita a ninguém.
Nota: depois de uma longa ausência, os piolhos foram o mote do regresso ao meu blog. A comichão sempre serviu para alguma coisa. Desinquietar, destabilizar, meter a engrenagem a funcionar novamente.