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Quimeras e Utopias

Quimeras e Utopias

Entre as brumas… das queimadas

Verões de fogo e outonos de fumarada. Em poucas palavras se pode resumir os vícios e vicissitudes de uma localidade. A minha. Não há povo que tanto vibre com uma caixa de fósforos na mão. Talvez as minhas palavras soem a exagero, mas há quase uma certa compulsão associada, algo de patológico, nesta vontade de fazer fogo.


Depois da destruição dos fogos nos últimos meses, depois da perda irreparável de vidas, seria de esperar um certo refreamento, mas não.
Sendo a proibição de fazer queimadas prolongada até dia 15 de novembro, ao sair de casa pela manhã no dia 16, toda a localidade cheirava a queimado, no ar pairava uma bruma de fumo que fazia lembrar nevoeiro invernal, mas a intoxicação das vias respiratórias não enganava: não havia nada de lírico nas brumas daquela manhã. Era uma massa de fumo compacta proveniente de dezenas de queimadas. Por entre a irritação, confesso que me ri sozinha no carro. Imaginei dezenas de pessoas de fósforo na mão, aguardando a meia noite, para poderem atear, qual drogado em ressaca, a sua fogueirinha na horta.


Mas triste foi esse dia para os ressacados da aldeia. Nesse final de tarde saiu a notícia do prolongamento da proibição até dia 23. Lá tiveram de guardar os fósforos na gaveta. Mais uma semana de puro sofrimento, para logo o cenário das brumas matinais se repetir dia 24.


Não se conseguia andar no exterior. No recreio da escola do meu filho, a massa de fumo pairava incomodativa e o miúdo queixava-se: mãe, cheira a queimado. Cheira mal.


O fumo deste tipo de queimadas acaba por, de certa forma, ser mais incomodativo do que o dos incêndios de verão. São fogueiras mais pequenas, o fumo circula mais baixo, envolvendo tudo e todos.


O dia de chuva de hoje acabou com a festa, mas sempre já tiveram uns quantos dias para se entreter.


Agora falando da origem das queimas: há muitos detritos provenientes dos quintais e hortas (folhas secas, galhos, ramos provenientes das podas, etc.) Eu também tenho um quintal e um terreno com árvores de fruto, também por aqui há muita vegetação que virou detrito. Mas não seria mais lógico reservar um pequeno espaço para colocar esses despojos, de forma a que estes se fossem deteriorando naturalmente? Uma pilha de detritos orgânicos acaba por se transformar em compostagem, em adubo orgânico. Todos os anos, na primavera, vou ao meu monte de detritos e da base, com uma enxada, vou puxando a terra que se foi formando e que funciona como adubo natural para as plantas. Para quê esta fúria pela queima, se a natureza trabalha tão eficientemente mesmo sem a nossa intervenção?


Talvez a motivação seja mais da ordem da tradição e do vício do que da praticabilidade e benefícios do ato em si.

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