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Quimeras e Utopias

Quimeras e Utopias

A cura gay

Nesta última segunda-feira, o Brasil acolheu, com sentimentos contraditórios, a decisão judicial de um juiz que, através de uma liminar, veio considerar legal que psicólogos possam oferecer a clientes/pacientes terapias de reversão sexual. Até à data, esta prática, embora levada sub-repticiamente a cabo por alguns «especialistas» através do uso de pseudoterapias desconsideradas/censuradas pela comunidade médica, pela OMS e pelo Conselho Federal de Psicologia, era considerada ilegal podendo levar à cassação da licença por parte dos profissionais que tais práticas oferecessem aos seus pacientes.


Embora, em momento algum, o juiz que concedeu a liminar se refira à homossexualidade como uma doença, a verdade é que, de forma implícita isso é transmitido a quem lê o documento. Não é possível permitir a prática de um tratamento de cura para uma doença que não existe. Se essa cura é, pelos órgãos judiciais, considerada como válida, percebe-se nas entrelinhas que uma cura tem de ter na origem uma doença. A justificação usada pelo juiz apoia-se da liberdade de escolha (um pouco como: se alguém procura uma cura e alguém a oferece, não deve vir mal ao mundo por isso) ou ainda na questão científica (a proibição das terapias de certa forma, condiciona a liberdade científica nessa área).

 

Como referi, embora o juiz não considere inequivocamente a homossexualidade uma patologia, na sua liminar o juiz, contraditoriamente, determina:

  […] que o órgão [OMS] altere a interpretação de suas normas de forma a não impedir os profissionais "de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena liberdade científica acerca da matéria, sem qualquer censura ou necessidade de licença prévia".
Juiz Waldemar de Carvalho, em El País Brasil, retirado daqui.

 

Refiro ainda que esta decisão judicial vem em consequência de uma ação movida por Rosangela Justino. Esta psicóloga e missionária, viu em 2009 a sua licença de psicóloga cassada precisamente por aplicação da chamada cura gay em pacientes e decidiu mover uma ação contra o Conselho federal de Psicologia pedindo a suspensão das regras que proibiam a aplicação de tais terapias.


" […] o movimento pró-homossexualismo tem feito alianças com conselhos de psicologia e quer implantar a ditadura gay no país". Por fim admitiu: "Tenho minha experiência religiosa que eu não nego. Tudo que faço fora do consultório é permeado pelo religioso. Sinto-me direcionada por Deus para ajudar as pessoas que estão homossexuais".
Rosangela Alves Justino, em El País Brasil, retirado daqui.

 

Rosangela, que usa a psicologia e a religião como práticas paralelas e coadunáveis na sua conduta profissional, é um reflexo de um Brasil cada vez mais dominado, em todos os quadrantes que deveriam ser imparciais, pilares essenciais para um país livre, por uma cada vez mais poderosa presença religiosa, neste caso, evangélica.


Embora se possa considerar de somenos importância tal decisão, ela planta na mente de uma parte da sociedade suscetível a manipulações, a crença da doença, da prática condenável e vergonhosa e isto, por si, basta para a propagação da descriminação e, em último caso, da violência.


E se, por toda a internet surgiram brincadeiras que ridicularizavam a decisão judicial, paralelamente apareceram também pessoas e grupos que viram assim a sua descriminação, a sua caça às bruxas legitimada pelo sistema de maior importância numa sociedade: o sistema judicial.

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Brincadeiras dos internautas relativamente à «cura gay». Imagem retirada daqui

 

Resta-nos sorrir da interpretação humorística (já com uns anos) da visão da cura gay, por parte da trupe da Porta dos Fundos:

 

 

 

 

Campos semeados de cartazes eleitorais

Aqui na minha rua, os últimos meses foram de obras: limpeza e pinturas de muros de proteção e pintura da sinalização no asfalto. Depois de meses (anos) em que tal obra já merecia (urgia) ser feita, pensei para mim que as eleições sempre serviam para alguma coisa. Para bem da terra, era bom era haver eleições de ano a ano, mais não fosse para que estas pequenas coisas não fossem guardadas para serem feitas dois meses antes das eleições. Era garantido que as obras andavam sempre a bom ritmo.


Mas depois lembrei-me dos cartazes. Não!! Não aguentaria tal suplício anual. É coisa normal haver cartazes eleitorais semeados por todo o lado em alturas de eleições, mas este ano, na minha santa terrinha, isto atingiu níveis endémicos. O raio dos cartazes parece que se reproduzem durante a noite, criam metáteses em locais improváveis. Se um dos partidos parece contido, apostando numa quantidade de cartazes aproximada à das eleições anteriores, outros dois partidos estão «on fire». De tanto ver as caras dos candidatos a fitarem-me a cada esquina, em cada rua, em cada beco, temo ter pesadelos com eles durante a noite. Como alívio desta tormenta visual (claramente excessiva e perturbadora da paisagem), chegam as alcunhas engraçadas que o meu filho arranjou para cada um daqueles rostos sorridentes e profissionais que nos perseguem diariamente no percurso para a escola (cara de fraldinha, cara de bebé, por exemplo).


É que se ao menos por aqui houvesse uns cartazes cómicos, estranhos, com frases deslocadas, ainda dava para uma pessoa se divertir, mas nada. Pelas minhas bandas ficaram-se pelas fotografias insípidas do costume e pelas frases feitas sem nada de memorável.


Resta-me largar umas gargalhadas com alguns dos exemplos que apanhei pela net de cartazes autárquicos deste nosso Portugal. É que há de tudo: falta de noção, erros ortográficos, piadas com os nomes das localidades que saem completamente ao lado e coisas de tão estranhas, chegam a roçar o assustador.

 

Piadas com um inexplicável teor fálico/sexual:

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Erros ortográficos grosseiros:

 

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Jogos de palavras parvos:

 

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Cartazes em que o nome da terra ou do candidato (advertida ou inadvertidamente) atrapalha:

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E aqueles cartazes em que passa a sensação que o pessoal devia estar a fumar umas cenas estranhas quando achou que aquilo seria uma boa ideia. São os chamados cartazes WTF. 

 

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Dois dos muitos cartazes do «podes chamar-me Salomé». 

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???

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Um político que não deixa cair o estereótipo de político em saco roto. Começa a quebrar as promessas de campanha logo na campanha eleitoral. Assim dá gosto ver.

 

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Não é um cartaz, mas é uma ação de campanha. Fiquei entre o riso e o choro. :)

 

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Faço minhas as palavras do Olimpo. Tanto cartaz?! Chiça, porra que é demais.

Festa de aniversário

Na véspera, roí as unhas. Há meses que a minha compulsão estava controlada, mas na véspera não me contive e destruí-as todas à dentada e ao rasgão. Assim, o dia de aniversário começou com dores agudas, pontadas de dor nos dedos mutilados na véspera.


Nunca achei grande graça aos festejos de aniversário. São como uma espécie de aviso à passagem do tempo de uma vida que segue à deriva, sem obedecer às ordens e projetos do navegador. Relembrar o naufrágio em curso nunca me pareceu grande motivo de festa.


Este ano não foi diferente. O meu dia de anos passou com um certo travo depressivo, uma inação motivada por uma antecipada crise dos quarenta, uma espécie de olhar de cima, de forma indolente e impotente, para o caos generalizado em terra.


Mas não há mágoa que uns belos copos de espumante não afoguem e de dedos doridos segurando o copo cheio, último suspiro de uma garrafa já vazia, pensei, numa tirada pouco poética, ordinária, mas altamente sincera: que se foda!

 

 

 

A música, essa, é um desvaneio pouco meu, mas viciante. A velhice dá-me para isto.

Mind the gap

Foi uma longa ausência, eu sei. Uma ausência imposta e, simultaneamente, autoinfligida. Se por um lado os meus deveres maternais me deixaram pouco tempo para a blogosfera, por outro lado a questão da relevância disto, deste espaço, também me pressionou à reflexão, ao afastamento.

 

Durante estes meses de verão nos quais raramente por aqui passei estive um mês com um reduzidíssimo acesso à internet. Férias na praia sem redes sociais, sem notícias online, sem email, sem tudo aquilo que hoje em dia se tornou indispensável para qualquer ser humano «normal». Nos primeiros dias dou por mim a pegar incessantemente no telemóvel, como uma drogadita em abstinência, a deslizar o dedo e a sentir um baque por perceber que aqueles eram movimentos inúteis. A imensidão cibernética estava-me vedada. Mas na mala esperavam os passatempos antiquados, mas que teriam de servir: uma generosa pilha de livros.

 

De entre outros, li dois livros de Svetlana Alexievich — Vozes de Chernobyl e A guerra não tem rosto de mulher (escreverei amanhã um outro texto sobre estas duas obras da autora bielorussa). Se hoje falei deles neste texto de regresso, não foi por pretender dissecar o conteúdo dos mesmos, mas pelo impacto destas leituras a seco. Com o mar a murmurejar em pano de fundo, com a areia entre os dedos dos pés ou deitada na cama à noite, nunca uma leitura me pareceu tão pura, tão clarividente como as leituras destas férias. O afastamento do caos informativo, dos casos diários que geram revolta e logo caiem no esquecimento, das opiniões diversas contraditórias, os dramas políticos nacionais e internacionais, deixou em mim um tremendo espaço vazio que permitiu fluir a leitura com uma profundidade nunca antes conseguida.

 

Lia os testemunhos de mulheres que combateram na segunda guerra mundial, as atrocidades contadas na primeira pessoa, o entusiasmo em poder ajudar a nação, emoção que não raras vezes redundava em morte ou dano permanente, e esta experiencia não foi apenas uma leitura, foi uma conversa com pessoas de um passado coletivo, uma conversa de uma lucidez atroz, mas poderosa, bela. Parava, olhava o mar, e tudo à minha volta confluía para aquelas palavras encerradas no livro, um movimento cósmico, universal, em direção à clarividência daquelas linhas, daqueles testemunhos.

 

Quando regressei à civilização, quando a internet surgiu como o copo de vinho cheio frente ao bêbedo em ressaca, dei por mim a questionar-me, a dissertar sobre a experiência de abstinência informativa: a informação é preciosa. Nunca me ouvirão fazer uma apologia da ignorância (embora haja uma quase inerente felicidade a ela associada). No entanto, será que haverá um ponto em que aquilo que consumimos deixa de ser informativo e passa a ser apenas mais do mesmo, redundância constante, um encher de chouriços que em nada contribuiu para o esclarecimento, mas antes entorpece, anestesia pela repetição, torna-nos trôpegos perante a realidade?

 

O meu filho via um qualquer programa infantil na televisão e veio contar-me que os dodôs, já extintos, engoliam pedras (na goela) para ajudar à digestão. Daí nasceu este paralelismo básico, uma metáfora elementar, mas ainda assim válida: teremos nós de engolir tamanha quantidade de pedras para conseguirmos «comer», pelo meio, alguma informação de jeito? E não estará tal quantidade de pedregulhos a pesar-nos em demasia, a atrofiar a forma como passamos a fruir a informação, novas leituras, o mundo que nos rodeia num geral?

 

Talvez uns passos atrás, um ligeiro afastamento nos permita ver esta nossa realidade de agora com maior nitidez, inserida num todo e não excluída e vendida como única, pertinente, exclusiva.

 

Amanhã regressarei com Svetlana. Estes dois livros merecem mais do que uma pequena referência fugaz num post de regresso à blogosfera.

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